Fórmula 1 mostra como a falta de inovação é pensamento limitado de gestores é capaz de derrubar a mais tradicional das empresas. Relevância para consumidor deve ser primordial
As transformações ocorridas nos últimos tempos foram tão rápidas que nem a Fórmula 1 foi capaz de acompanhar, literalmente. Assim como muitas empresas ao redor do globo, a categoria máxima do esporte a motor no mundo foi atropelada, perdeu importância, admiradores, audiência e dinheiro. Justo ela, que sempre foi precursora de diversas inovações e se manteve no auge por décadas, mas que nos últimos anos de intensa mudança no comportamento das pessoas foi incapaz de se adaptar e agora busca se reinventar.
Assim como em muitos ambientes corporativos, a Fórmula 1, que é uma empresa, não desceu de seu pedestal de líder, ficou deitada em berço esplendido ao mesmo tempo em que a tecnologia encurtou ainda mais as distâncias do mundo, deu poder às pessoas e viu concorrências não tradicionais ganharem espaço. E, num caso clássico de erro de posicionamento, voltou-se ao luxo, enquanto a distância desta marca com seus fãs e com a realidade até em termos de tecnologia só fez aumentar.
A arrogância e prepotência de seus dirigentes – seguida de miopia – colocou a categoria em um mundo à parte. Seu último grande acerto remota ainda dos anos 2000, quando se expandiu pelo globo, mas ao mesmo tempo fechou-se em uma bolha autoritária e autocrática. Qualquer semelhança com o mundo corporativo não é mera consciência, pois, lembre-se, a Fórmula 1 é uma empresa – até o ano passado dirigida por um dos homens mais ricos do mundo e, contrassenso do contrassenso, o responsável por todo o seu sucesso e pelo seu declínio: Bernie Ecclestone.
Ao se fechar num mundo inacessível a muitos mortais, ela deixou de aprender com o próprio Luxo, que nos anos 2000 viu alguns casos de sucesso, como Armani ao criar submarcas e se aproximar das pessoas que tinham o aspiracional da marca mãe. Parece incrível, mas só no ano passado a Fórmula 1 aderiu às redes sociais de forma oficial, ainda assim, de forma distante. Neste ano, após ser vendida por Ecclestone para a Liberty Media, mesmo grupo que possui participação em empresas de comunicação, midia e entretenimento como Viacom e Warner, a categoria está dando alguns cavalos de pau.
Assim como muitas organizações deveriam fazer, a nova Fórmula 1 deixou de perceber que ela era muito mais do que uma competição de pilotos, equipes e fábricas, mas sim um grande entretenimento. E, sobretudo, quem paga a conta são as pessoas que vão aos autódromos, veem as corridas pela televisão e compram os produtos e subprodutos deste circo. A categoria está fazendo o que muitas empresas ainda relutam: colocando o seu consumidor do centro de tudo.
Mesmo percebendo-se como um entretenimento, o campeonato não fica em segundo plano, pelo contrário. O regulamento deste ano criou carros ainda mais potentes e difíceis de serem guiados, dando mais oportunidades para que mais de uma equipe e melhores pilotos possam lutar pela vitória e fazendo da corrida de fato uma atração. Ainda assim, há uma certa previsibilidade, pois, no final, por melhor que a corrida seja – e elas tem sido ótimas como há muito tempo não se via, com duas equipes diferentes lutando pelo título – o enredo se repete. Por isso, ao colocar as pessoas no centro e se assumindo como uma diversão de domingo, é preciso se humanizar, se aproximar das pessoas e criar sempre uma nova estória para engajar e emocionar.
O exemplo mais real de tudo isso aconteceu neste domingo, no Grande Prêmio da Espanha. Mesmo tendo vencido a corrida, o personagem principal não foi o inglês Lewis Hamilton, mas sim um menino francês de seis anos chamado Thomas. Fanático pela Ferrari, ele foi às lágrimas logo no começo da competição quando viu o piloto Kimi Raikkonen ficar de fora da disputa ao se envolver em uma batida. Algumas voltas depois, o sorriso voltou a ver o outro ferrarista, Sebastian Vettel, levar a melhor numa disputa com Hamilton. Tudo capturado pela TV.
Cenas assim já vimos aos montes na velha Fórmula 1. Porém, depois, do meio para o final da transmissão, aparece um replay das emoções do garoto na arquibancada e logo ele aparece no box da Ferrari recebendo um abraço e um boné de Kimi Raikkonen. No pódio, ele também acompanhou tudo de perto e vibrou com o segundo lugar de Vettel. A corrida? Teve disputas e batidas que poderiam render ótimas imagens para ilustrar o fim de semana, mas o que ficará marcado são as cenas de Thomas e o mundo do automobilismo inteiro comentando sobre a nova Fórmula 1: mais aberta, mais participativa, mais humana e mais próxima.
Fica uma bela lição. Se até a Fórmula 1 que já foi sinônimo de inovação e estar sempre na frente ficou para trás e teve enorme dificuldades para voltar a ter importância na vida das pessoas – e esta corrida está apenas no começo -, as empresas também podem se superar. A missão de correr atrás do prejuízo é enorme, mas precisa ser corrida à 300 km/h por hora, literalmente.