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Metamorfoses rumo ao topo

CMO do Bradesco, Nathalia Garcia viveu diversos aprendizados ao longo de uma série de transições na carreira. Conhecimentos que ela agregou, com muita capacidade de adaptação, para se tornar uma das principais lideranças de marketing no Brasil.

De gerente comercial na indústria metalmecânica a CMO de um dos maiores bancos do país, Nathalia Garcia tem uma trajetória digna de quem nunca teve medo de trocar a rota quando necessário. E o mais curioso? Muitas dessas mudanças sequer estavam nos planos. Como ela mesma conta, sua ida para o marketing foi uma “movimentação inesperada” – e, convenhamos, muitas das melhores histórias começam assim.

Nesta entrevista exclusiva para a Empresário Digital, a líder de marketing do Bradesco abre o jogo sobre os desafios de transição de carreira, o segredo para liderar com empatia (sem precisar de um estoque infinito de paciência) e a importância de manter o foco no que realmente importa – seja na gestão de pessoas, seja na vida. Também revela como o banco tem utilizado as tecnologias mais modernas sem jamais excluir os humanos do centro dos avanços.

Se você está pensando em mudar de carreira, enfrentando desafios na liderança ou apenas buscando uma dose de inspiração vinda de alguém que já se reinventou algumas tantas vezes, prepare-se: Nathalia Garcia vai te fazer repensar alguns conceitos. Principalmente quando o assunto é equidade de gênero no topo das empresas, um de seus temas favoritos.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Você possui uma trajetória profissional bem diversificada. Quais foram os principais aprendizados que você teve nessas transições?

NATHALIA GARCIA: Minha carreira, de fato, é muito diversa. Passei toda a minha vida estudando na Bahia e me formei em Administração em uma universidade federal. Iniciei minha trajetória profissional no polo petroquímico, na indústria metalmecânica, onde atuei por nove anos. Em seguida, migrei para o setor financeiro, mais especificamente para auditoria, trabalhando na Deloitte.

Depois disso, entrei no universo bancário, focando no desenvolvimento de produtos financeiros, especialmente voltados para clientes de alta renda. Passei pelo HSBC antes de ingressar no Bradesco, onde vivi transições muito significativas. Trabalhar tanto em multinacionais quanto em empresas locais me proporcionou uma enorme diversidade de experiências e aprendizados.

No Bradesco, comecei atuando na área de alta renda e, posteriormente, fui para a Ágora, a casa de investimentos do banco. Em 2020, tive uma movimentação inesperada para o marketing. Foi uma mudança surpreendente naquele momento, mas que fez total sentido. O objetivo era trazer ainda mais o olhar do cliente para a comunicação, reforçando a escuta ativa e a compreensão das necessidades do público.

Essa transição foi uma combinação perfeita, pois me permitiu agregar minha experiência ao time de craques que já estavam lá – e que seguem comigo até hoje, acreditando nos mesmos princípios. Além disso, essa jornada me fez resgatar habilidades que, muitas vezes, ficam guardadas e nem imaginamos que vamos utilizar novamente. De repente, elas se tornam essenciais em um novo contexto.

Acredito que minha adaptabilidade foi fundamental para essas transições ao longo da carreira. Todas essas mudanças foram fruto da minha visão de mundo e da disposição em explorar diferentes setores, sempre aprendendo e me reinventando.

Se eu pudesse resumir os aprendizados das minhas experiências, destacaria duas coisas: a importância de não ter medo dos desafios e a capacidade de adaptação. Passei por setores completamente diferentes, e cada um deles me trouxe aprendizados valiosos. Na indústria, entendi a importância dos processos e da execução. Na auditoria financeira, desenvolvi um olhar crítico e disciplinado sobre controle e planejamento. No mercado financeiro, aprendi a escutar e entender o cliente. Hoje, no marketing, utilizo todas essas experiências para construir estratégias mais robustas e eficazes.

EMPRESÁRIO DIGITAL: O que você diria para alguém que deseja fazer uma transição de carreira, mas tem medo da mudança?

NATHALIA GARCIA: Enfrente esse medo. Mudar de caminho não é simplesmente sair da zona de conforto, mas sim abraçar a possibilidade de conhecer algo novo – que pode, inclusive, te fazer mais feliz e realizado.

Seja muito verdadeiro nas suas escolhas. Antes de tomar a decisão, entenda bem para onde está indo, o que será feito e se essa mudança está alinhada com seus valores, crenças e propósito. Pergunte-se: o que essa transição significa para mim e qual legado quero deixar?

Acredito que o mais importante na nossa trajetória de vida é sermos fiéis ao que acreditamos e ao sentido que damos para aquilo que fazemos. Então, se você está nesse momento de decisão, lembre-se: aprender é sempre um privilégio. Prepare-se, estude, desenvolva-se e dê a si mesmo a oportunidade de crescer e descobrir novos caminhos.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Como você definiria o seu estilo de liderança?

NATHALIA GARCIA: Eu diria que o fator principal é o cuidado com as pessoas. Mais do que ser uma especialista em áreas específicas, o que realmente me motiva é gente. Pessoas são o combustível que impulsiona meu dia a dia. Gosto de trabalhar com os outros, de desenvolver talentos e de construir junto.

Normalmente, minha equipe diz que minha liderança se baseia em dois Ps: Processos e Pessoas. Acredito que esses elementos são essenciais para qualquer gestor. Os processos garantem eficiência e organização, enquanto as pessoas são o coração do negócio. Um líder precisa estar atento e próximo a ambos para conseguir desenvolver qualquer área ou projeto de forma sustentável.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Você já mencionou que a empatia é uma qualidade essencial para um líder. Pode compartilhar um exemplo em que essa característica influenciou uma decisão sua?

NATHALIA GARCIA: Na prática, a empatia é um exercício desafiador – exige generosidade e uma verdadeira intenção de entender uma perspectiva diferente da sua.

Quando você está em uma posição de liderança, lida com pessoas que possuem vivências, formações e raízes completamente distintas das suas. Cada indivíduo traz consigo um histórico único, que influencia sua visão de mundo e suas reações. Por isso, exercer a empatia vai além de simplesmente se colocar no lugar do outro – trata-se de um esforço genuíno para enxergar aquela situação sob uma ótica diferente, mesmo sabendo que nunca será uma percepção 100% fiel.

E, para desenvolver essa habilidade, é preciso exercer a escuta ativa. Ser generoso na escuta significa estar realmente disponível para ouvir, compreender o que está por trás daquilo que está sendo dito e identificar o impacto que determinada situação pode ter na vida do outro. Muitas vezes, o comportamento de alguém é reflexo de experiências anteriores, e um líder precisa ter essa sensibilidade.

No papel de liderança, a empatia não pode ser uma qualidade opcional – ela precisa ser uma premissa constante. Afinal, liderar pessoas exige paciência e repetição. É comum pensar: “Mas eu já falei isso antes, preciso repetir?”. Sim, porque o entendimento nem sempre ocorre da maneira como imaginamos.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Você foi a primeira mulher a assumir a liderança do marketing no Bradesco. Quais desafios enfrentou nesse caminho?

NATHALIA GARCIA: Para ser sincera, quando assumi essa posição, há dois anos, fiquei impressionada com a proporção e o impacto desse fato.

Minha trajetória no marketing – assim como em outras áreas pelas quais passei – não foi algo planejado. Nenhuma das minhas movimentações de carreira seguiu um roteiro pré-definido. As oportunidades foram surgindo, e eu fui me adaptando e escolhendo caminhos que faziam sentido para minha evolução profissional.

Mas, ao me sentar nessa cadeira e perceber a repercussão que isso gerou, parei para refletir sobre um tema que já me acompanhava há muito tempo, especialmente por ter passado por ambientes extremamente masculinos. E a grande questão não era simplesmente “a Nath chegou lá”, mas sim o impacto que isso gera para outras mulheres.

Entendi que essa conquista não era apenas sobre mim, sobre meu desempenho ou sobre os desafios que enfrentei para chegar até aqui. Era, acima de tudo, o que essa posição representa e como ela pode inspirar outras mulheres a se enxergarem em lugares que antes pareciam inacessíveis.

O mais importante não é ocupar uma cadeira específica no marketing ou em qualquer outra área – é garantir que mais mulheres se sintam capazes de chegar aonde quiserem.

Acredito que esse é um marco relevante não apenas para o Bradesco, mas para a sociedade como um todo. Estamos falando de um banco com mais de 85 mil funcionários, e saber que essa conquista pode estimular e inspirar outras mulheres a assumirem desafios me enche de satisfação. Afinal, representatividade importa.

EMPRESÁRIO DIGITAL: O Bradesco tem programas de equidade de gênero. Pode falar um pouco sobre eles, como o Win-Win?

NATHALIA GARCIA: Por muito tempo, nem percebi essa questão como uma pauta específica no meu dia a dia. Cresci em um ambiente onde essa diferença entre homens e mulheres simplesmente não existia.

Sou filha de dois médicos e, na minha casa, sempre houve um equilíbrio entre conhecimento, desenvolvimento intelectual e questões financeiras. É claro que minha mãe, em alguns momentos, precisou se dedicar mais à maternidade, à gravidez e à residência médica, o que naturalmente demandou ajustes. Mas, de modo geral, sempre houve um senso de equidade muito forte. Ambos tinham voz ativa, perspectivas de mundo bem definidas e uma participação financeira equilibrada.

Por isso, para mim e para meu irmão, entender que essa equidade não era uma realidade em toda a sociedade foi um choque. Quando entrei no mundo corporativo, percebi que essa não era a regra – e foi aí que esse tema passou a ser uma pauta mais estruturada na minha vida. Passei a buscar formas de levar essa visão para o meu ambiente profissional, sempre dentro da minha verdade, mostrando que é possível criar homens e mulheres dentro de um contexto de igualdade desde cedo.

Hoje, sou mãe de duas meninas e espero que elas vivam essa equidade dentro do exemplo de casa. Se homens e mulheres têm as mesmas capacidades de se desenvolver, pensar e alcançar seus objetivos, por que a equiparação ainda é tão difícil?

Esse é um tema que carrego comigo não só em ambientes formais e corporativos, mas também na minha rotina diária. Acordo todos os dias com a disposição de mostrar que a equidade é possível e real, e que não precisamos de embates para avançar nessa discussão. O caminho é o diálogo, trazendo argumentos sólidos e demonstrando, na prática, que cada pessoa pode desenvolver suas habilidades da melhor forma, independentemente do gênero.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Que conselho você daria para mulheres que desejam ocupar cargos tradicionalmente dominados por homens?

NATHALIA GARCIA: Eu destacaria a importância da verdade. Como mencionei antes, há uma força enorme na verdade das nossas escolhas, nas decisões que tomamos para nossas vidas. Então, queiram muito, preparem-se, estudem e sejam boas no que fazem. Mas, ao mesmo tempo, equilibrem as cobranças internas. É natural que nós, mulheres, tenhamos uma exigência muito grande sobre nós mesmas para nos sentirmos aptas a ocupar determinadas posições. Porém essa cobrança precisa ser moderada. Siga sua trajetória baseada na sua verdade. E, acima de tudo, acredite que é possível chegar lá. Se você se desenvolveu, tornou-se apta, então está pronta. E essa disputa não deve ser vista sob o viés de gênero, mas sim sob o viés do conhecimento, das habilidades e das competências – sejam técnicas ou comportamentais.

A mulher pode falar de finanças, de tecnologia, de engenharia, de dados – de qualquer assunto que quiser. A mulher é capaz. E, além disso, muitas são mães. E ser mãe, por si só, já é um exemplo de inteligência, resiliência e capacidade.

EMPRESÁRIO DIGITAL: O Bradesco foi pioneiro no uso da inteligência artificial com a BIA em 2016. Como essa tecnologia tem evoluído no banco?

NATHALIA GARCIA: Alguns avanços tecnológicos já nos fizeram questionar a substituição do ser humano: será que certas profissões vão acabar? A resposta não é tão simples. A tecnologia não vem para excluir, mas para transformar. Cabe a nós, enquanto sociedade, desenvolver a habilidade de usá-la da melhor forma possível, criando oportunidades e permitindo que humanos e tecnologia convivam de maneira complementar, sempre visando benefícios maiores, como a evolução e o progresso.

É claro que essa evolução deve ocorrer dentro de parâmetros éticos e de compliance, garantindo segurança e responsabilidade. Um dos exemplos mais recentes e discutidos é a inteligência artificial (IA), que ganhou força nos últimos dois anos. No Bradesco, já trabalhamos com IA há bastante tempo – um dos maiores exemplos é a BIA, assistente virtual que está no ar desde 2016. Inicialmente, sua base era transacional, desenvolvida com tecnologia Watson, focada em resolver demandas objetivas dos clientes.

Com o avanço da IA generativa, começamos a nos preparar para essa nova fase, sempre respeitando as diretrizes de proteção de dados e a responsabilidade que temos como instituição financeira. Hoje, já temos um piloto da BIA Generativa rodando para mais de 300 mil clientes, e essa tecnologia seguirá evoluindo.

No marketing, a IA já faz parte do nosso dia a dia, sendo utilizada para otimizar processos e aumentar nossa capacidade criativa. Não vemos a inteligência artificial como uma ferramenta de redução de equipe, mas como um recurso que potencializa nosso trabalho.

Um dos principais usos da IA no marketing do Bradesco está no desdobramento de peças publicitárias. Antes, levávamos de sete a dez dias para adaptar materiais de uma campanha principal para diferentes formatos. Hoje, esse processo leva apenas 2 horas e 10 minutos. Isso representa um avanço significativo.

O tempo que antes era dedicado a essas tarefas agora pode ser investido em novas iniciativas estratégicas, ampliando nossa capacidade de inovação. A inteligência artificial está presente em toda a organização, cada área utilizando-a de maneira específica para impulsionar resultados. No marketing, ela já é essencial para otimizar processos e criar possibilidades – e esse é só o começo.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Como a inteligência de dados impacta a personalização da experiência do cliente no setor bancário?

NATHALIA GARCIA: Hoje, temos uma abundância de dados, mas o desafio vai além de simplesmente possuí-los. A grande questão é: como usá-los de forma estratégica? O verdadeiro diferencial está na interpretação e no uso dos dados comportamentais.

Antes, eram apenas informações que coletávamos diretamente. Agora, eles refletem comportamentos, preferências e interações que vão além do que está registrado em ferramentas de CRM. Estamos falando de gostos, afinidades, experiências e tudo aquilo que o consumidor considera relevante na sua vida – muitas vezes demonstrado pelo seu próprio uso do celular ou padrões de navegação.

Esses dados são extremamente valiosos para impactar as pessoas de forma menos invasiva, no momento certo e com conteúdos realmente relevantes. Esse é o grande desafio da comunicação: interpretar esses dados de maneira inteligente para criar experiências personalizadas.

Sou uma grande entusiasta de pesquisas. Utilizo pesquisas, NPS e reclamações como fontes ricas de insights. As reclamações, inclusive, são analisadas detalhadamente por minha equipe e por mim, pois são oportunidades reais de melhoria e inovação.

Acredito que a maior dificuldade da comunicação hoje é usar os dados de forma estratégica, tornando a interação mais fluida e natural. O objetivo não é simplesmente vender, mas ser um parceiro de jornada do consumidor. Quando conseguimos nos conectar dessa forma, a marca deixa de ser um intruso e passa a fazer parte da vida do cliente de maneira relevante e significativa.

EMPRESÁRIO DIGITAL: Qual legado você deseja deixar para as próximas gerações?

NATHALIA GARCIA: Meu conselho é que tenhamos a coragem de questionar se aquilo realmente nos faz bem: até que ponto está impactando nossa saúde física, mental e social. Quanto estamos deixando de lado coisas importantes por buscar algo que, às vezes, nem sabemos ao certo o que é, mas que nos dizem ser o caminho para o sucesso? Sucesso em quê? Precisamos definir o que significa ser grande. Quero ser grande naquilo que escolhi para mim.

Hoje, com mais maturidade, reflito sobre o sentido que damos a cada etapa da vida e o quanto isso é importante para dosar o que realmente nos faz bem e felizes. Não é uma ideia fantasiosa: todos temos dias ruins, momentos de baixa energia e inúmeras pendências. Aprendi a não me cobrar tanto quanto antes.

Existe a máxima de “girar todos os pratinhos ao mesmo tempo”. Atualmente, me permito o luxo de não girar todos. Mesmo sendo uma líder, reconheço que há pratos que talvez eu precise apenas apoiar. Não vou deixá-los cair, mas também não consigo girar todos simultaneamente. Hoje, eu, Nathalia, aceito minha imperfeição. Sei que a perfeição não existe. E, ao me reconhecer como imperfeita, consigo girar o máximo de pratos possível, incluindo o meu próprio: o pratinho da felicidade. Acho que é isso.

Assista a entrevista completa no link abaixo.

https://youtu.be/K9V1ySY2euM

Marco Marcelino

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