Photo by Sam Barnes/Web Summit via Sportsfile
O palco era moderno, o telão gigante, a plateia conectada. Mas foi preciso que uma mulher falasse de sabedoria ancestral para o futuro parecer mais próximo.
Nathalie Kelley e Jens Nielsen subiram ao palco do Web Summit Rio para discutir a COP30, que acontecerá no Brasil e saíram de lá dizendo o que ninguém quer ouvir, o clima não é o vilão. O sistema é. A conversa começou com esperança. Jens, europeu, otimista, trouxe dados, marcos históricos, e lembrou que o Brasil é palco das grandes conferências ambientais há mais de 30 anos. Desde Rio-92, Rio+20, e agora Belém. Mas logo ficou claro que não se tratava de uma linha do tempo. Era uma linha de ruptura.
Foi quando Nathalie tomou a palavra e desmontou o teatro do progresso com uma pergunta simples: “Quem aqui já ouviu falar de terra preta?” Poucas mãos se ergueram. Pouca gente sabia que essa tecnologia milenar, criada por indígenas brasileiros, não só preservou, como construiu parte do que conhecemos como Amazônia. Sim, o futuro sustentável que buscamos já foi praticado há 8 mil anos. Só que agora, em vez de ouvir os povos que ainda mantêm 80% da biodiversidade mundial sob sua guarda, preferimos maquiar a crise com slogans como “net zero” e máquinas de captura de carbono. Nathalie chamou de tokenismo verde. Jens respondeu com pragmatismo que sim, precisamos parar com os combustíveis fósseis, ontem, se possível e sim, o sistema financeiro global tem meios para bancar a transição, se quiser. Mas aí veio a faísca da verdade, o problema não é a fonte de energia. É o que a gente faz com ela. E o que a gente está fazendo, segundo Nathalie, é manter um sistema global ridículo, onde se exporta e importa a mesma quantidade de carne entre continentes, subsidiado por impostos que poderiam estar irrigando agroflorestas, e não monoculturas.
Foi uma aula de desconstrução. Não só do sistema econômico, mas da nossa própria noção de progresso. Jens falava de pensões europeias que poderiam financiar o Acordo de Paris inteiro. Nathalie falava de sabedorias indígenas que já resolveram esse dilema antes mesmo de ele existir. E nós, no meio disso tudo? A pergunta final veio crua, como o indivíduo pode agir? A resposta não foi com aplicativos nem startups. Foi com voto. Com escolha no supermercado. Com engajamento real, principalmente das novas gerações. O Web Summit é uma vitrine de tecnologia, mas aquele palco virou um espelho. Porque talvez o que nos falte não é mais uma solução, e sim coragem para aceitar que a melhor já está entre nós, só que não vem da nuvem, vem da terra.