O ex-nadador olímpico Gustavo Borges mergulhou no universo do empreendedorismo e construiu um império na área de educação esportiva, saúde e bem-estar. Tudo com a mesma disciplina que o levou ao pódio.
Depois de conquistar quatro medalhas em Olimpíadas e marcar seu nome na história da natação brasileira, Gustavo Borges virou a página – sem pressa, mas com direção. A transição começou ainda antes da aposentadoria oficial, que foi nos Jogos de Atenas, em 2004. Gustavo, que é formado em Economia pela Universidade de Michigan, fundou em 2002 a rede de academias que leva seu nome, focada em natação e fitness. O projeto cresceu e, poucos anos depois, virou base para algo maior: a criação da Metodologia Gustavo Borges (ou MGB, para os íntimos), lançada oficialmente em 2005. A proposta era ousada: oferecer um método padronizado de ensino de natação, com tudo o que envolve uma boa gestão: do pedagógico ao marketing, passando por acompanhamento digital. Deu certo. Hoje, mais de 420 escolas usam o método em vários países da América Latina.
Aliás, a expansão internacional começou cedo: em 2011, Gustavo fechou parceria com o nadador sul-africano Ryk Neethling para levar a metodologia ao exterior. Era o primeiro passo para mostrar que o modelo brasileiro podia atravessar fronteiras com excelência.
Mas não parou por aí. Com o Grupo Gustavo Borges, ele também passou a reunir seus empreendimentos, parcerias e novos investimentos – sempre com foco em projetos com propósito claro e potencial de crescimento. Um bom exemplo é a Vhita, marca de suplementos da qual é sócio, conselheiro e embaixador. Desde que ele entrou, a empresa cresceu sete vezes e chegou à marca de R$ 50 milhões em faturamento. A conexão? Saúde, longevidade e impacto positivo.
EMPRESÁRIO DIGITAL Qual foi aquela virada silenciosa que ninguém percebeu, mas que para você mudou tudo por dentro?
GUSTAVO BORGES Foi quando saí de casa com 15 anos. Fui morar sozinho em São Carlos, longe dos meus pais, tendo de lidar com comida, escola, treino, despertador e toda uma rotina independente. Apesar do apoio familiar à distância, foi um amadurecimento muito grande. Comecei a perceber ali que precisava assumir a responsabilidade pela minha vida. Isso me preparou para os passos seguintes: São Paulo, Estados Unidos e uma carreira inteira focada no alto rendimento. Essa virada me mostrou o valor da autonomia, da disciplina e da confiança. Foi uma decisão silenciosa, mas que me transformou profundamente e moldou quem eu sou hoje, como atleta e como empreendedor.
EMPRESÁRIO DIGITAL O que a disciplina de um atleta olímpico te ensinou sobre foco no mundo dos negócios?
GUSTAVO BORGES A rotina de um atleta de alto rendimento é intensa e extremamente regrada: acordar, treinar, comer, descansar, repetir. Isso desenvolve uma mentalidade de compromisso com o progresso. Levei isso para o mundo corporativo. Produtividade não é apenas trabalhar muito, mas trabalhar com intenção e propósito. Recentemente, li uma frase que me marcou: “Me mostre sua agenda que eu te mostro quanto tem na sua conta”. O que você faz no dia a dia revela seus resultados. A disciplina está em saber priorizar, eliminar distrações e manter constância. Os ingredientes do sucesso, como dedicação, foco e persistência, são os mesmos, seja na piscina ou no escritório. A diferença é como você aplica cada um deles no seu cotidiano.
EMPRESÁRIO DIGITAL O que mais te emociona ao ver o impacto do seu negócio na vida dos outros?
GUSTAVO BORGES Ver pessoas ensinando com paixão a metodologia que desenvolvemos é emocionante. Hoje, temos mais de 400 licenciados pelo Brasil e mais de 200 mil alunos em nossa base. Um dia, no aeroporto do Recife, uma mãe me abordou e mostrou no celular a evolução do filho dela na nossa plataforma. Ele estava orgulhoso por ter avançado de nível na natação. Foi tocante. Percebi ali o quanto nosso trabalho impacta famílias, crianças, cidadãos. Educamos por meio do esporte e promovemos saúde, confiança e disciplina. Cada história como essa reforça que estamos no caminho certo. Ajudar na formação de pessoas vai muito além do que acontece na piscina.
EMPRESÁRIO DIGITAL Quando você investe em uma startup, o que mais leva em consideração?
GUSTAVO BORGES O principal critério é o alinhamento de propósito. Gosto de empresas ligadas à saúde, esporte, performance e vida saudável. Invisto tanto por meio de fundos quanto de forma direta. Quando invisto sozinho, analiso se posso contribuir com minha imagem, experiência, rede de contatos. Preciso sentir que há conexão entre os valores da empresa e os meus. Depois, claro, olho os números: se está queimando caixa, se tem faturamento, qual o estágio do negócio. Startups em fase muito inicial são mais arriscadas. Prefiro projetos com tração, nos quais minha participação pode acelerar ainda mais o crescimento. Para mim, investir é também um ato de parceria e construção conjunta.
EMPRESÁRIO DIGITAL Empreendedo-rismo é um esporte de alta performance?
GUSTAVO BORGES Sem dúvida. Um atleta tem orientação constante. Já no empreendedorismo, você é seu próprio técnico. Precisa definir prioridades, organizar o tempo, aprender constantemente. E ainda lidar com tributos, finanças, time, clientes. Não basta só sonhar, tem que executar. É uma arena competitiva, intensa, que exige preparo físico, emocional e estratégico. As mesmas horas de treino que colocava na piscina, hoje invisto no desenvolvimento de habilidades para liderar. Empreender é uma maratona com obstáculos. Mas, como no esporte, quem tem propósito e consistência tem mais chances de vencer.
EMPRESÁRIO DIGITAL Qual foi o maior desconforto ao trocar as águas da piscina pelas do mundo corporativo?
GUSTAVO BORGES A gestão de pessoas. No início, enquanto ainda competia, estava mais distante da operação. Mas, quando mergulhei de vez no mundo dos negócios, percebi o desafio real de liderar times, formar cultura, tomar decisões difíceis. Foi um aprendizado contínuo. Ter sócios foi essencial. Cada um atua em sua zona de excelência, e isso fortalece o todo. Aprendi também a estudar muito: livros, mentores, cursos. Tudo ajuda a entender mais sobre administração, estratégia, comportamento. O mundo corporativo tem suas próprias regras e complexidades. Mas, como no esporte, com disciplina, curiosidade e boas parcerias, é possível construir algo grandioso.
EMPRESÁRIO DIGITAL Gustavo, seus filhos nadavam, você tem um negócio que está bombando e sua agenda é intensa. Como você faz para manter a cabeça fora d’água nessa rotina maluca?
GUSTAVO BORGES Tenho uma organização de rotina muito bem definida. Equilibrar vida pessoal e profissional é sempre um desafio grande, e, para mim, isso passa por defender com firmeza minha agenda e priorizar o que é essencial. Hoje, meus filhos já são adultos. O Luiz Gustavo trabalha comigo, é responsável por uma das nossas empresas. A minha filha atua na área de suprimentos de uma grande multinacional química. Eles estão bem encaminhados, e isso me dá mais tranquilidade.
Moro com minha esposa no interior de São Paulo, então meu fluxo envolve casa, aeroporto e capital. Como passo muito tempo em trânsito, tento ser o mais produtivo possível durante os deslocamentos. Carrego sempre comigo o material para atividade física. Quando estou em casa, sigo uma rotina mais rigorosa: horário para acordar, treinar, comer, descansar. Já nas viagens, faço pequenos ajustes. O segredo é antecipar o que está por vir.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como assim?
GUSTAVO BORGES Se sei que a próxima semana será intensa, por exemplo, cuido melhor do corpo e do descanso na semana anterior. Não dá para sair de uma semana puxada e já engatar outra sem consequências. Talvez com 30 anos isso fosse mais fácil. Hoje, o jogo muda, e respeitar os próprios limites virou prioridade. Isso envolve manter exames em dia, cuidar da alimentação, suplementação e prática regular de atividade física.
Com esse equilíbrio, consigo sustentar uma agenda exigente e, ao mesmo tempo, preservar uma vida saudável, ativa e com espaço para o que me faz bem – como jogar tênis, passar tempo com a família, descansar e fazer o que gosto. Viver com propósito também significa cuidar de si mesmo.
EMPRESÁRIO DIGITAL Para você, hoje, o que é vitória?
GUSTAVO BORGES Vitória é todo movimento que te impulsiona para frente. Às vezes ela aparece como uma medalha, outras vezes como evolução pessoal, autoconhecimento. Melhorar seu desempenho em relação a ontem já é uma vitória. O problema é que muitas pessoas confundem performance com rendimento. Se alguém melhora, mas não sobe ao pódio, pode se sentir derrotado, quando, na verdade, teve um avanço importante. É preciso separar esses conceitos.
A jornada do alto rendimento me ensinou a aceitar a realidade com clareza. Não adianta querer ser medalhista olímpico sem estar entre os três primeiros. Mas, ao mesmo tempo, estar em décimo numa Olimpíada pode ser uma conquista gigante, dependendo da sua trajetória. A questão é entender o que é vitória de verdade – e isso vai além do resultado imediato.
EMPRESÁRIO DIGITAL E qual derrota ensina muito?
GUSTAVO BORGES Olha, tenho uma bem marcante. Na minha estreia olímpica, em 1992, nos 200 metros livre, dormi mal, estava inseguro, mudei a estratégia no último momento e nadei muito mal. Foi um fracasso completo. Mas meu treinador disse: “Está tudo bem. Agora, olhe para frente. Amanhã tem outra prova”. E eu fui lá e venci. Aprendi a reagir rápido, a não me perder no sofrimento. Outro exemplo é do meu filho, que ficou fora da Olimpíada por nove centésimos. Era o sonho dele. Foi segundo na seletiva, ficou de fora por pouco. Foi muito doloroso. Mas também foi uma lição sobre superação, resiliência e reconhecimento do próprio valor, mesmo sem o resultado ideal.
Muita gente diz que aprendemos mais com os erros. Eu acredito que o aprendizado precisa acontecer nas vitórias também. Não podemos baixar a guarda quando tudo dá certo. O que muda entre vencer e perder é a emoção envolvida. Quando vencemos, nos aplaudem, nos chamam de “feras”. Quando perdemos, nos confortam, dizem “vai passar”. E é aí que está o desafio: aprender com os dois extremos. Crescer em qualquer cenário.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como você gostaria que as pessoas lembrassem do seu legado?
GUSTAVO BORGES Faço cerca de cem palestras por ano e, mais do que inspirar com discurso bonito, meu objetivo é provocar pequenas transformações: criar um hábito novo, mudar um comportamento, dar o primeiro passo. Pode ser ler mais, tomar mais água, cuidar da saúde, passar mais tempo com a família. São ajustes que parecem pequenos, mas que geram impacto. A gente sempre pode evoluir, ainda que com pouco tempo, como um atleta que, mesmo com rotina intensa, encontra espaço para o que importa. Se alguém me disser que ouviu uma fala minha e isso o ajudou a mudar de vida, já fico realizado. Esse é o legado que quero deixar: o de quem plantou uma sementinha de evolução, com propósito e humanidade.