A Kalunga, tradicional varejista de papelaria e material de escritório, decidiu jogar em um campo onde poucos esperavam vê-la: o entretenimento esportivo. Controlando a concessão de um canal de TV aberta desde 2014, herança da antiga MTV Brasil, a companhia acaba de estrear um novo capítulo ao sublicenciar conteúdos da ESPN e lançar o canal X-Sports. A movimentação não é aleatória: é estratégica e baseada em números concretos de uma indústria que movimenta bilhões.
O consumo de esportes ao vivo é uma das últimas fortalezas da TV linear e, mais recentemente, se tornou peça-chave na guerra entre plataformas de streaming. A Amazon, por exemplo, alcançou em 2025 a liderança do mercado brasileiro de VOD (vídeo sob demanda), com 22% de share contra 21% da Netflix, segundo dados da JustWatch. A principal alavanca? A inclusão de partidas exclusivas de futebol nacional, com narração de Galvão Bueno e distribuição multiplataforma via CazéTV, fenômeno digital com mais de 10 milhões de inscritos no YouTube.
Ao sublicenciar conteúdos da ESPN, a Kalunga garante a transmissão de pelo menos sete torneios de futebol relevantes. A operação é feita em parceria com a Disney, que controla a marca ESPN e recentemente passou a explorar sublicenciamento como forma de amplificar o alcance de suas propriedades esportivas. O movimento também contribui para monetização de direitos já adquiridos pela gigante americana.
A incursão da Kalunga em mídia não é inédita, mas sempre encontrou barreiras. Após a extinção da MTV Brasil pelo Grupo Abril em 2013, a empresa assumiu a frequência com o canal Ideal TV, que fracassou. Em 2020, tentou novamente com a Loading, voltada à cultura pop e esports, encerrada em menos de um ano. Desta vez, o foco direto em esportes, segmento que concentra 60% da audiência ao vivo nos principais canais abertos, é uma tentativa de unir apelo popular com estabilidade de audiência.
O investimento pode parecer dissonante do core business da Kalunga, mas segue uma lógica de diversificação e branding. A marca aposta na verticalização da operação de mídia como forma de ampliar presença, construir awareness e até gerar novas fontes de receita. Em um país onde futebol movimenta mais de R$ 20 bilhões por ano, somando direitos, publicidade e consumo, a decisão tem lógica financeira, especialmente diante da crescente fragmentação da atenção do consumidor.
A disputa agora não é mais apenas entre canais de TV ou serviços de streaming. É por tempo, tela e relevância. E, nesse jogo, a Kalunga acaba de escalar seu novo time.