É impossível negar que o jornalismo tradicional foi completamente disruptado nas últimas décadas devido ao advento de novas tecnologias. Smartphones, tablets, laptops, Internet e redes sociais, permitiram que os leitores acessem a maioria das notícias diretamente de fontes on-line.
Como resultado, os jornais, antes o principal meio para o público receber suas notícias, agora caíram para o segundo plano, ofuscados por dezenas de outras mídias. Assim, as empresas de mídia estão diante de disrupções que estão afetando dramaticamente seu tradicional modelo de negócios.
Os jornais impressos perdem feio em velocidade e dinamismo para a Internet e as redes sociais, e, em consequência perdem assinantes e receita publicitária. Alguns já desistiram da versão impressa e só publicam na web. Os jornais foram apanhados na armadilha tecnológica, ao não reconhecerem em tempo hábil a importância disruptiva das mídias sociais, que estão levando embora seus leitores e receitas, mudando o comportamento do consumidor e, sugando toda a publicidade que antes era destinada a jornais e TVs.
Tentativas estão sendo feitas para manter sua sobrevivência. Alguns optam por um pay-wall completo, trocando mais leitores, por menos, mas procurando gerar um engajamento mais profundo que pode ser vendido aos anunciantes. Outros, optam pelo “paywall medido” – permitindo que alguns artigos gratuitos garantissem a visibilidade da marca on-line, mas exigindo pagamento para uso posterior. E também alguns tentam um serviço de assinatura premium, retendo alguns conteúdos exclusivos para assinantes.
Também vemos casos onde alguns veículos aumentaram seu partidarismo político na esperança de que o sensacionalismo e o impacto consolidem seus principais leitores. Esta opção faz com que o veículo acabe se comportando como blogs de viés político, que apenas confirma o viés político de seus leitores. Na prática o veículo vira uma “caixa de ressonância” para um grupo específico de leitores de mesmo viés partidário. No entanto, aparentemente não houve aumento na circulação dos veículos que optaram por este caminho.
Também existe a opção de se concentrar em nichos. Por exemplo o britânico Financial Times atende a um público de nicho com conteúdo diferenciado. A lição é que, se você atender bem seus leitores com algo original que eles não conseguirão em outro lugar, eles pagarão por isso. A receita de conteúdo de qualidade da FT é direcionada para um grupo de leitores fiéis que se interessam pelos temas publicados, e está atraindo anunciantes premium, que querem se comunicar com este público especifico. Mas, para isso, é preciso manter uma equipe de jornalistas especializados e contar com staff de pesquisa e apoio.
O gráfico abaixo, produzido pelo Banco Mundial mostra a divisão gritante entre como os leitores de diferentes faixas etárias obtêm suas notícias. É óbvio que as gerações mais jovens recebem suas informações de diversos meios, principalmente da web e mídias sociais, enquanto os grupos de pessoas mais velhas tendem a se ater a mídias tradicionais, como a televisão e jornais. Claramente a mídia tradicional não está satisfazendo a demanda da sociedade mais jovem.
O gráfico sugere que, nos próximos anos, as pessoas receberão suas informações não de poucas fontes, como um ou dois jornais e uns poucos canais de TV, mas de uma variedade de fontes. Anteriormente, os leitores se mantinham leais a uma ou poucas empresas de mídia, aquelas que estavam mais aderentes de suas opiniões políticas, interesses e localidades. Agora, os usuários tem muito mais liberdade para sintonizar seletivamente os artigos de notícias que desejarem ler, de qualquer fonte. Toda vez que entramos no Facebook ou completamos uma busca no Google, somos os editores de nossos próprios jornais porque podemos escolher de onde vem nossa informação.
Os jornais também não entenderam como é o consumo de informações em um mundo muito mais rápido e urgente. Os jornais continuam sobrecarregados com informações como faziam no passado. Jornais diários têm em média de 30 a 40 páginas, várias centenas de artigos e umas 150 mil palavras. Ler toda essa informação é inviável, considerando a quantidade de dados e informações que uma pessoa comum já está exposta a cada dia. Quando um consumidor paga por um jornal, ele paga por informações e/ou entretenimento. Quando uma grande porcentagem dessas informações é irrelevante e requer que os leitores analisem uma quantidade desnecessária de dados para encontrar os artigos e tópicos que lhes interessam, isso gera um enorme desperdício de tempo para o leitor, o desestimulando a continuar a ler o jornal.
Qual será o futuro dos jornais? Muitos afirmam que o jornal se tornará uma relíquia do passado, enquanto outros acreditam que o setor precisa se reposicionar e se reinventar para permanecer relevante nos tempos de hoje.
Ter uma visão digital é fundamental. Muitas vezes o que vemos nas versões web dos jornais é uma simples digitalização dos jornais impressos. Não foram pensados para a era digital, mas simplesmente digitalizados.
Já o caso de transformação do The Washington Post desde que foi comprado por Jeff Bezos, da Amazon, que investiu pesadamente em pessoal e operações digitais, é emblemático. Entretanto, não há muitos novos magnatas de jornais como Bezos no mundo. O artigo “At ‘Washington Post,’ Tech Is Increasingly Boosting Financial Performance” mostra esta transformação por dentro e pode sinalizar um caminho para a sobrevivência dos jornais atuais.
O mundo gera cerca de 2,5 quintilhões de bytes por dia. Com tantos dados disponíveis à nossa disposição, o que fazemos com isso? Há várias décadas, os acessos aos dados eram controlados por um oligopólio, as empresas de mídia, que detinham a maior parte das informações e filtravam o que queriam repassar para a sociedade. Agora, qualquer pessoa tem poder para publicar informações. Somos produtores e consumidores de informações. No entanto, como sabemos que alguma dessas informações é confiável ou vale a pena ser lida?
É aí que entra curadoria. A curadoria de um bom conteúdo é importante porque os leitores querem garantir que qualquer conteúdo que eles consumam seja preciso, confiável e de alta qualidade. O que os jornais estão fazendo, tentando lutar uma guerra frontal contra a Internet e as redes sociais, é uma guerra perdida. As empresas de mídia para sobreviverem, precisam se destacar em termos de capital humano, tecnologia e estratégia de longo prazo para poder competir com alguma chance de sucesso no mercado competitivo e sobrecarregado de informações de hoje. Precisam reinventar o jornal. Não precisam eles mesmos gerarem as informações e notícias. Elas surgem de todos os lugares, instantaneamente. Com algoritmos de IA podem vasculhar a Internet, blogs e mídias sociais, procurando conteúdos, aglutinando-os e os publicando de forma individualizada. Os algoritmos podem, por si mesmos, publicarem notícias, quase que ao mesmo tempo que foram produzidas em algum lugar e capturadas pelos outros algoritmos que vasculham a Internet. Um exemplo interessante de agregador de noticias controlado por IA é a chinesa Toutiao, considerada pela Fast Company uma das empresas mais inovadoras de 2018.
Cada leitor tem preferências únicas. O papel primordial da versão digital é interagir com os leitores, entender seus gostos e através de algoritmos de recomendação publicar as notícias que será de seu interesse. A versão impressa, caso exista, será um apanhado do conjunto de notícias que se destacaram na percepção dos leitores. Os algoritmos podem identificar e separar fake news com mais precisão que humanos. Os jornalistas passam então a assumir papel de curadoria. Não escrevem noticias simples, mas analisam e escrevem artigos analíticos.
O jornalismo continua, a dúvida é se os jornais continuarão. Como estão hoje, dificilmente irão sobreviver e aí será uma questão de “quando” e não de “se”.