Diretor de comunicação da marca alemã de veículos premium, Cláudio Rawicz é referência quando se trata de projetar uma imagem positiva no disputado setor automotivo.
“Os carros da Audi sempre me agradaram pelo design elegante e pela esportividade. Com acabamento de alta qualidade e tecnologia de ponta, esses carros alemães têm tudo para agradar o consumidor brasileiro.” A fala é de 1993, e a voz é de um dos maiores ídolos do Brasil em todos os tempos: Ayrton Senna. O piloto tricampeão teve um papel decisivo na chegada da montadora europeia ao país, quando assinou um acordo com o objetivo, na época, de comercializar por aqui 100 carros da marca a cada mês – por meio da Senna Import.
De lá para cá, muita coisa mudou. O contrato se encerrou em 2005, quando a Audi AG assumiu o controle da operação, e a empresa se consolidou como uma das principais do setor automotivo presentes no país. Apesar de estar em um intervalo de produção em sua única fábrica, no Paraná, pois a fabricação do A3 Sedan terminou no fim de 2020 e ainda não há um novo produto confirmado para aquela linha de montagem, a empresa tem um perfil diferente do da Ford (que causou um terremoto ao anunciar sua saída do Brasil em janeiro): seu negócio é focado nos veículos premium, o que significa menor quantidade, mas um extremo zelo com os detalhes e a imagem de sofisticação e alto valor agregado que os produtos e a marca projetam.
Esse cuidado com a imagem passa necessariamente por Cláudio Rawicz, diretor de comunicação da companhia das quatro argolas. Contratado para atuar no reposicionamento da marca e na digitalização da empresa no país, Rawicz logo teve à frente um desafio que ninguém poderia prever: a pandemia de coronavírus. Agora o executivo tem se destacado em suas ações para que, em plena crise do setor automotivo, a Audi se posicione como uma marca inovadora, que combina ousadia nos negócios com uma atenção especialíssima aos seus clientes neste momento tão delicado.
EMPRESÁRIO DIGITAL – Qual é a fórmula de uma gestão de comunicação de sucesso no setor automotivo, em que as informações têm uma repercussão tão grande para a economia como um todo?
CLÁUDIO RAWICZ – A indústria automotiva representa de 4% a 5% do PIB brasileiro e emprega mais de 120 mil pessoas no país. Por isso tudo, pela importância que esse setor tem para a economia, a imprensa com a qual a gente trata vai além dos jornalistas especializados em carros, ela é muito mais ampla. É importante ter uma mensagem muito clara e correta para cada um desses públicos. Precisamos estar muito próximos dessa imprensa, de maneira transparente, com disponibilidade e transmitindo credibilidade. O sucesso passa por ser consistente na comunicação, tomando cuidado com o que a gente fala hoje para poder ter certeza de que vai poder repetir o mesmo discurso amanhã. Também é indispensável proporcionar um conteúdo de relevância em relação à marca. Precisamos ser muito mais proativos do que reativos.
ED – Quais as competências que um gestor de comunicação precisa ter para atuar em alto nível em uma grande empresa de uma indústria dessa abrangência?
CLÁUDIO RAWICZ – Em primeiro lugar, um excepcional relacionamento interpessoal, já que a empresa depende muito dessas relações e o profissional terá uma interface importante com diversos protagonistas. Outra competência essencial é a capacidade de inovar e ter ousadia. Trabalhamos em um setor extremamente tradicional, com diversos players, então eu sempre digo que ser ousado e sair da caixa para criar experiências novas faz toda a diferença. Por fim, é necessário saber trabalhar em time e com culturas internacionais. Afinal, não existe no Brasil, hoje em dia, nenhum tipo de indústria automobilística que seja 100% brasileira; o que há são multinacionais com culturas diferentes. Eu mesmo já trabalhei em empresas italianas e francesas com atuações na Rússia, Líbia e Estados Unidos.
ED – Tendo uma trajetória importante em empresas como Renault e Fiat, que aprendizados você acha que mais contribuíram para a sua carreira?
CLÁUDIO RAWICZ – A minha história profissional foi bastante interessante, porque eu passei por todas as culturas possíveis e imagináveis em diversos segmentos e tipos de negócio.
Trabalhei com automóveis de passeio, comerciais leves, caminhões, máquinas agrícolas… e agora com carros de luxo. Aprendi que, independentemente do seu nível hierárquico ou da atividade da sua empresa, o foco das organizações é um só: a combinação de lucratividade e sustentabilidade do negócio. Ao trabalhar em marketing e comunicação, você tem dois caminhos: o primeiro e mais fácil é você criar aquilo que é necessário para a empresa poder vender; o segundo é ir além desse suporte para inovar, criar valor para marca. A mensagem que eu sempre procuro dar aos profissionais de marketing e comunicação é que não tenham medo de arriscar. Se você tem uma história interessante e inovadora para contar, por mais difícil que seja convencer a alta gestão, acredite e faça.
ED – A Audi integrou suas áreas de comunicação e marketing. Qual a vantagem desse modelo?
CLÁUDIO RAWICZ – Diferente de outras fabricantes no Brasil, temos um setor de marketing e comunicação integrado há mais de dois anos, desde que eu assumi a área. Recebi justamente essa missão de integrar. Não vemos mais sentido em criar estratégias de comunicação para o público externo e interno em áreas diferentes.
É muito importante que todos conheçam a estratégia 360º para que a mensagem seja a mais poderosa e assertiva possível, independentemente do público que se pretende atingir.
ED – Algumas empresas parecem querer acelerar o retorno da “normalidade” pós-pandemia, sendo que a vacinação está começando agora. A Audi, no entanto, foi por um caminho diferente e incentivou o isolamento social com a campanha “Manter a distância”. Como se chegou a
essa decisão?
CLÁUDIO RAWICZ – Diferente do ano passado, este ano já começamos em pandemia, e espero que possamos sair dele em uma situação melhor. Mas a realidade por enquanto é essa. Percebemos que a situação era séria quando eu estava na Alemanha, preparando a nossa participação no Salão de Genebra, quando o evento foi cancelado e tive de voltar ao Brasil. Imediatamente nossa preocupação se voltou às nossas equipes e aos nossos clientes. Quando saíram as recomendações da OMS, de que as pessoas ficassem em casa, protegidas, fomos a primeira empresa do mundo a mudar sua logomarca numa referência à pandemia. Fizemos uma separação simbólica das clássicas argolas da Audi, dando a entender que, nesse momento, é preciso manter distância. Então trouxemos essa campanha para o Brasil e resolvemos ampliar, incluindo a hashtag #deixeseucarronagaragem – uma campanha que foi lançada pelo nosso CEO no Linkedin. Logo no começo de março e amplamente replicada nas redes sociais dos nossos embaixadores. Atingimos mais de 10 milhões de pessoas com esse movimento.
ED – Essa iniciativa de vocês acabou sendo seguida por outras marcas…
CLÁUDIO RAWICZ – Sim, outras empresas começaram a aconselhar seus clientes da mesma forma. Houve uma interação muito especial entre a Audi e as demais marcas, uma união de esforços entre competidores em prol da saúde das pessoas. Aqui estabelecemos dois estágios de comunicação durante essa pandemia. O primeiro teve foco em informar nossos clientes e promover o cuidado. O segundo foi entreter esses clientes em quarentena, propondo uma série de atividades. Por exemplo, tivemos o chef Alex Atala e a atriz Isabelle Drummond, que são nossos embaixadores, conversando no perfil da Audi sobre sustentabilidade e empreendedorismo. Fizemos ações para adultos e crianças.
ED – Houve alguma ação especial no pós-vendas?
CLÁUDIO RAWICZ – Fizemos um programa direcionado a pessoas com mais de 60 anos de idade, que são do grupo de risco. A gente buscava e levava o carro deles para revisão, íamos à casa do cliente com tudo higienizado. Depois estendemos essa mesma ação para os profissionais da área de saúde. Foram mais de 15 mil passagens na rede de concessionárias de veículos de gente que se beneficiou com a forma como a Audi remontou seu programa de revisão.
ED – Para você, pessoalmente, tem sido mais desafiador cuidar da comunicação de uma grande marca neste período de pandemia?
CLÁUDIO RAWICZ – Tem sido desafiador, mas também motivador. Vale enfatizar que a criatividade na pandemia tem alguns fatores inibidores. O isolamento social foi muito inibidor por toda a coisa do trabalho em casa, da afetividade limitada, de lazer e esportes reduzidos, contagem de óbitos todos os dias, incertezas profissionais… Com todo esse cenário complexo, conversamos muito na Audi para chegar à decisão que deveríamos, sim, ter coragem com responsabilidade.
Precisávamos fazer a diferença na forma de criar projetos com foco no negócio que demonstrasse atenção e cuidado da marca com os nossos clientes.
ED – A perda de espaço das mídias tradicionais e a ascensão dos produtores de conteúdo na internet… Você acha que isso é bom ou ruim para as marcas de carro?
CLÁUDIO RAWICZ – Eu não acho que a mídia perdeu tanto espaço, porque eles estão se reinventando. Hoje em dia, você talvez não tenha tantas revistas impressas como tinha no passado, mas percebe esses mesmos canais migrando para plataformas digitais de uma maneira mais completa. Influenciadores digitais com canais no Instagram pegam um determinado carro, tiram uma foto e publicam. Imagino que isso tem pouco efeito do ponto de vista comercial e de construção de marca. Acreditamos em parcerias mais sólidas. A Audi tem um programa de embaixadores com sete celebridades ou referências no Brasil, sempre com contratos de longo prazo, para que sejam as pessoas que divulguem e promovam a nossa marca de maneira orgânica.
ED – Como você analisa o nível do jornalismo que é feito na área automotiva aqui no Brasil?
CLÁUDIO RAWICZ – Eu acho que é excelente. Me surpreendo cada vez mais com a qualidade dos profissionais que estão surgindo nesse mundo multimídia. A indústria é centenária no Brasil e tem grandes jornalistas que são verdadeiras enciclopédias, que atravessaram gerações acompanhando o crescimento do setor automobilístico e que são inspiração para um pessoal incrível que está surgindo agora. Tenho percebido a qualidade do material produzido por esses jovens. Há um interesse de mostrar o carro de uma forma diferente, de construir histórias que são muito mais que uma simples apresentação audiovisual. Eles acabam gerando um conteúdo que tem relevância tanto para o público mais técnico, mais apaixonado pela graxa, pelo motor, pelo câmbio – quanto para quem consome conteúdo de lifestyle, no qual o automóvel proporciona uma viagem incrível para um lugar paradisíaco, por exemplo. É importante que a gente sinta segurança com essa nova geração, até porque, em um momento de tanta fake news, nossa área de comunicação tem um cuidado cada vez maior de fortalecer a nossa relação com a imprensa séria que existe no país.
ED – Essa tendência, de o jovem consumidor preferir o uso do carro, à posse do carro é um desafio para todas as marcas que precisam se adaptar a um novo modelo de negócio. O que isso influencia na comunicação?
CLÁUDIO RAWICZ – Muda muito. As pessoas hoje querem consumir música, vídeo, alimentação, sempre on demand, como a Netflix, a Amazon, o Spotify e Rappi, entre outros. A KPMG fez uma pesquisa no mundo inteiro para saber qual é a importância para o consumidor da mobilidade como serviço. No Brasil, 69% dos respondentes disseram que é muito importante. Então a gente não pode desprezar que o negócio do automóvel está mudando. A Audi iniciou, no ano passado, um projeto piloto de assinatura de veículos de alta gama. O assinante tem a possibilidade de ficar com um carro por dois anos com todos os serviços incluídos: manutenção, emplacamento, IPVA e seguro. Tudo isso com um custo que chega a ser até 20% menor do que a propriedade do carro em si. Ainda não é nada confirmado, mas a gente já pensa na possibilidade de expandir em função da alta demanda que nós tivemos.
ED – O que essa saída da Ford do país deixa de mensagem?
CLÁUDIO RAWICZ – O ponto fundamental para mim é que, obviamente, uma marca centenária como a Ford sair do Brasil causa uma tristeza enorme para todos nós. Quando a gente percebe indústrias deixando de produzir no país, vê que isso acaba enfraquecendo a indústria automotiva. O mercado retrocedeu no ano passado por causa da pandemia e teve uma ociosidade muito grande nas fábricas. Precisamos estar atentos, mas a Audi continua otimista. Continuamos muito fortes no Brasil, acelerando como uma montadora premium, com 20 novos carros nos últimos dois anos, e vamos continuar lançando novos produtos no mercado brasileiro.