Poliana Sousa assumiu a liderança em plena pandemia, após anos à frente do marketing, no Brasil, de uma das marcas mais valiosas do planeta. Uma trajetória que vem colecionando os mais altos reconhecimentos do mercado, como a indicação ao Prêmio Caboré.
Caros profissionais brasileiros têm uma admiração de seus pares que chegue perto da conquistada por Poliana Sousa. Escolhida como uma das Women To Watch no Brasil em 2017 e como uma das melhores CMOs do país pela Forbes em 2020, a executiva acaba de receber uma indicação ao prêmio mais cobiçado do mercado publicitário, o Caboré, na categoria “profissional de marketing”.
Ex-VP de marketing da Coca-Cola, Poliana é, desde janeiro, a líder para a América Latina de uma das marcas mais icônicas do mundo. Um reconhecimento que estava faltando, mas que chega em boa hora. Poliana assumiu o novo cargo em plena pandemia e tem trabalhado numa mudança organizacional desafiadora, sem encontrar a sua equipe presencialmente, e não podendo visitar os países onde a operação da Coca-Cola passa pela sua gestão.
Esse desempenho fica ainda mais impressionante quando você conhece de perto algumas peculiaridades da trajetória dessa líder inspiradora. Ela não negocia quando se trata dos seus valores, busca sempre conciliá-los com as marcas que representa, e ainda é uma entusiasta de projetos que visam dar igualdade da oportunidades às mulheres no mercado de trabalho. A história de sua carreira já é um prêmio que daria orgulho a qualquer empresa. A Coca-Cola, hoje, é a que tem esse privilégio.
EMPRESÁRIO DIGITAL – O que representa essa indicação ao Caboré neste momento da sua vida?
POLIANA SOUSA – Para mim tem um significado muito importante, de orgulho e de emoção. Tive até uma certa descrença, porque achei que já tinha passado meu timing para o Caboré, que minha carreira iria acabar e não ia acontecer. Eu já tenho quase 25 anos de trabalho nesse mundo do marketing, então foi um reconhecimento de todo esse tempo, de tudo que eu consegui atingir, com os times que eu trabalhei, com todas as pessoas que estiveram por trás disso, porque a gente não faz nada sozinha. E eu acho que também foi um reconhecimento maravilhoso a toda equipe da Coca-Cola, aos nossos fabricantes, aos nossos parceiros, agências, produtoras e veículos de mídia. E não é fácil, né? Você manter uma das marcas mais icônicas do mundo, trazer novas marcas, novas maneiras de trabalhar. Essa indicação ao Caboré ainda tem um gostinho mais especial diante de tudo isso que aconteceu nos últimos dois anos.
ED – Além do Caboré, você já teve outros reconhecimentos muito relevantes do mercado. Em um exercício de autoconhecimento, que diferenciais seus levaram a tanta admiração?
POLIANA SOUSA – Acho que uma das minhas características mais marcantes é a resiliência. Saí de Cuiabá com 17 anos e primeiro fui fazer intercâmbio, depois bolsa de estudos fora do Brasil, e não foi fácil. Enfrentei muito desafio, levei muito “não” na cara, muitas portas se fecharam. e eu não desisti. Em segundo lugar, sou uma pessoa que faz acontecer. Eu brinco com o time que não tem tarefa, pequena ou grande, que seja impossível. Eu gosto de ter um desafio. Achar soluções para missões impossíveis é o que mais me dá vontade de acordar todo dia para trabalhar, porque a minha energia e a minha motivação vêm disso. Por último, acho que eu sou uma pessoa muito agregadora. Aprendi muito sobre o poder que vem das pessoas que você tem ao seu lado. Pessoas que poderão me ajudar nesse caminho, que eu ao mesmo tempo também posso ajudar.
ED – Você teve uma ascensão incrível, de analista de marketing a diretora de outra empresa gigante que é a Procter & Gamble – onde você permaneceu por mais de 19 anos. Quais os principais aprendizados que você extraiu dessa trajetória?
POLIANA SOUSA – Olha, a minha história com a Procter vem desde a faculdade. Todos os livros falavam da Coca-Cola e da Procter & Gamble. A Procter como a maior anunciante do mundo, a Coca-Cola como a marca mais icônica. E eu lembro que estudava sobre a P&G e me interessava muito por causa do foco no consumidor, sempre foi uma área que me fascinava. Então, quando fui recrutada para trabalhar lá e comecei a minha carreira já nos Estados Unidos, na sede da P&G, foi uma escola. Tudo o que eu aprendi de marketing vem de lá, desde a parte de desenvolvimento estratégico, mídia, comunicação corporativa e BI, além de pensamento estratégico, conexão com o consumidor, liderança, colaboração com outras áreas. Por causa da P&G, trabalhei em três países com culturas totalmente diferentes, consegui aprender muito, não só sobre o mundo dos negócios, mas também sobre pessoas, consumidores e colegas.
ED – Você se especializou em cuidar de marcas que fazem parte da vida das pessoas. Que cuidados um executivo precisa ter ao assumir essa posição?
POLIANA SOUSA – É uma responsabilidade enorme. Porque o trabalho que a gente faz vai para a casa de milhões de consumidores todos os dias. Existem outros profissionais de marketing que trabalham com produtos que têm um ciclo de compra mais longo. Mas muitos consumidores bebem Coca-Cola pelo menos uma vez por semana, então um cuidado que a gente precisa ter com esse tipo de marca é o respeito pelo consumidor. Um CEO da P&G sempre falava: “consumer is the boss”. Ao pensar em produtos e soluções, nós, como executivos, precisamos pensar: se o consumidor estivesse sentado aqui nesta mesa de reunião, o que ele falaria disso? Ele gostaria ? O meu papel passa por ser essa voz do consumidor. Outro ponto importante é a responsabilidade que vem com o consumo em massa. Aqui no Brasil estamos presentes em mais de 1 milhão de pontos de venda. Com essa capilaridade vem a responsabilidade de assumir as causas em que acreditamos, de liderar muita mudança.
ED – O que mudou na sua vida profissional de VP de Marketing para a posição atual?
POLIANA SOUSA – Tem sido uma montanha-russa de emoções e de aprendizado. Estou nessa posição há dez meses, mas já aprendi, já cresci tanto que parece que faz muito mais tempo. Quando eu ainda liderava o marketing aqui no Brasil, estava na minha zona de conforto, por conhecer o mercado e as pessoas. Aí, quando me ofereceram essa posição, foi um desafio enorme. Não só para mim, mas para as nossas marcas e para a Coca-Cola principalmente. Porque temos mercados muito diferentes na América Latina. México e Brasil são, respectivamente, o segundo e terceiro países da Coca-Cola no mundo. O Brasil disputa a terceira posição com o gigante mercado da China. Então tive de acelerar muito o meu aprendizado. E, por causa da pandemia, sem poder viajar, precisei aprender e fazer acontecer sem visitar fisicamente os países com os quais eu trabalho. Mudou muito a minha rotina, porque agora eu tenho um time espalhado pela América Latina inteira. Fico conectada virtualmente com todo mundo.
ED – Falando nisso, que outros desafios você encontrou na Coca-Cola por causa da pandemia?
POLIANA SOUSA – O pior foi o começo. Todo mundo achava que ia ser uma coisa de duas semanas, depois virou dois meses, quatro meses e estamos assim até hoje. O lockdown teve um impacto muito significativo, porque 40% do nosso consumo é fora de casa. O consumo de Coca-Cola acontece muito no cinema, na lanchonete, na padaria, no restaurante e então, com o lockdown, tivemos que reescrever todo o nosso planejamento estratégico. Não estávamos contando que teríamos que compensar dentro de casa os 40% de consumo que tínhamos fora do lar. Rasgamos o planejamento para 2020 e reescrevemos do zero. Precisamos fazer uma redefinição estratégica de todos os nossos negócios, porque o hábito do consumidor mudou, o canal de compra mudou. Tivemos que ser ágeis, tomar decisões difíceis de investimento e, ao mesmo tempo, ter um cuidado grande com nossos parceiros que estavam passando por esse sufoco. Tudo isso com a equipe trabalhando remotamente pela primeira vez na vida. Por isso também tivemos um foco grande nos times. E o trabalho do RH naqueles primeiros meses foi fundamental. Não satisfeitos, ainda anunciamos uma reestruturação em agosto do ano passado. Já estava prevista, mas a pandemia acelerou tudo. Porque vimos que a nossa maneira de trabalhar, que a nossa estrutura não seria sustentável nesse novo mundo.
ED – O que envolveu essa reestruturação?
POLIANA SOUSA – O foco foi em uma mudança organizacional grande. Antes, a Coca-Cola, apesar de ser uma das empresas mais globais do mundo, operava muito com cada mercado em uma unidade de negócio. Com essa nova estrutura, criamos uma organização global mais forte. Assim temos um time local focado mais na execução: o trabalho próximo ao fabricante, alguns na venda; no caso do marketing, da compra de mídia aos eventos locais. A estrutura Latam, que é a que eu trabalho, tem foco mais na estratégia de crescimento: onde queremos levar a marca, estratégia de inovação, estratégia de comunicação. Enquanto isso, o time global fica focado mais no longo prazo: como fazer a marca crescer globalmente, como vai gerar escala no planeta. Também criamos uma organização mais em rede, diminuímos os níveis hierárquicos, com processos mais ágeis e mais conectados. É uma mudança significativa, não é um processo fácil, mas eu acredito que foi a mudança correta para levar a Coca-Cola aos níveis de crescimento que queremos e a ser a empresa total de bebidas que desejamos mundialmente.
ED – Como você concilia os seus valores pessoais com a atuação como executiva de marketing?
POLIANA SOUSA – Uma coisa que a Coca-Cola e a P&G têm em comum é que são empresas éticas, que fazem a coisa certa, não tem jeitinho. E têm um foco grande em diversidade e inclusão. Um valor pessoal, para mim, é a forma como a gente trata as pessoas. Eu valorizo muito, jamais poderia trabalhar em um lugar que não tratasse as pessoas com respeito, com carinho e com cuidado. Outro ponto importante é a questão do balanço entre o trabalho e a vida pessoal. O tempo que eu passo com a minha família é sagrado, então a empresa em que eu atuo tem de me respeitar e me oferecer essa flexibilidade.
ED – Você acha que a liderança feminina é algo que assusta sociedades marcadas por essa tradição, em que essas posições sempre foram ocupadas por homens?
POLIANA SOUSA – Sabemos de todos os desafios que, historicamente, a mulher enfrenta. Mas eu vejo que a sociedade está em num momento de transformação com relação a isso. Já vimos muita coisa melhorar. Desde o dia em que eu comecei a trabalhar até hoje, a diferença é gritante. Eu trilhei esse caminho na frente, e espero que essas meninas tenham muito mais facilidade de seguir o delas porque abrimos a porta antes. Eu enfrentei muitos desafios com a maternidade, casa, marido. Como é que você lida com todas essas prioridades e continua focando na carreira e no trabalho? No Brasil, a igualdade de gênero passa pela sororidade: mulher tem que se ajudar. Quando eu cheguei à Coca-Cola, a primeira coisa que eu fiz foi me juntar com outras mulheres e criar esse grupo de liderança feminina. E os homens têm um papel também. Não adianta não ser sexista, precisa ser antissexista. Quando você olhar um comportamento sexista, levantar a mão e dizer “Opa, não está legal isso!”.Se a mulher não trouxer esses aliados com ela, as coisas não mudarão, precisa ser um problema de todo mundo.
ED – Já que falamos da questão de igualdade de gênero, eu queria entender como é a sua atuação como guardian da Angel.Us.
POLIANA SOUSA – Essa plataforma tem um potencial gigantesco. Foi criada pela minha grande amiga Claudia Colaferro, que foi diretora de marketing aqui na Coca-Cola alguns anos atrás e é uma inspiração para mim. O grande objetivo é esse apoio para mulheres no desenvolvimento profissional. Primeiro começa a ajudar a mulher a identificar qual é o seu potencial, esteja ela no começo de carreira ou no momento de mudar de trabalho ou de negócio. E uma coisa que eu gosto da plataforma é que ela começa fazendo com que essas mulheres conheçam a si mesmas. Tem um teste de personalidade que ajuda a achar qual é o diagnóstico daquela mulher, o que ela precisa, qual é a área em que ela precisa de mais apoio. Aí entra o time da Angel.Us. Eu e outras líderes fazemos parte desse time, que a Claudia chama de “as guardians”, que hoje tem mais de cem.
Dedicamos o nosso tempo a ajudar essas mulheres a desenvolver o seu potencial. Eu dou o meu tempo e, em troca, ganho mentoria de outras mulheres. Estou muito animada de fazer parte disso, porque acredito que, como cheguei aqui, eu tenho responsabilidade de ajudar outras. Eu quero realmente fazer a diferença.