Menos pode ser (muito) mais

À frente do Grupo Malwee, o CEO Guilherme Weege conduz um negócio de moda que ganha relevância e valor de marca ao incentivar a sustentabilidade e o consumo consciente – porque ninguém precisa ter 20 calças jeans no guarda-roupa.

indústria da moda é bonita, atraente, mexe com nosso amor-próprio, mas ela não costuma ser a melhor amiga do planeta Terra: é o segundo setor da economia que mais produz poluição. Para se ter uma ideia do que isso significa, ele perde apenas para o petróleo. E piorou com o sucesso recente do fast-fashion, um conceito que prevê a produção, o consumo e o descarte de uma peça de roupa em um ciclo constante e muito rápido.

Um estudo da Universidade de São Paulo revelou que, em bairros de São Paulo conhecidos pela quantidade de lojas de roupa barata, como Brás e Bom Retiro, cerca de 12 toneladas de resíduos de roupa e outras 36 de resíduos têxteis, costumam ser descartadas nas calçadas, entupindo bueiros e as margens de riachos. Peças que levam misturas de fibras sintéticas levam mais de 100 anos para a degradação.

Nesse cenário aterrador para o meio ambiente, uma empresa do varejo de moda vai na contramão desse impacto poluidor: com mais de meio século de história, o Grupo Malwee vem se destacando por investir na sustentabilidade, adotando técnicas que economizam água e energia, estimulando o consumo consciente e até convidando seus concorrentes a se engajar na produção de peças mais duradouras.

Com isso, vem sendo reconhecida pelo mercado como uma referência de companhia que leva seus próprios valores a sério e que busca proteger o environment desde antes que a sigla ESG virasse a queridinha dos fundos de investimento.

Nesta entrevista exclusiva para a Empresário Digital, Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee, explica como concilia sucesso nos negócios com uma atitude e uma cultura de apostar na conscientização do consumidor.

EMPRESÁRIO DIGITAL O Grupo Malwee se engajou em metas ambiciosas para reduzir as emissões que provocam o aquecimento global. Que mentalidade levou a empresa a se destacar pela sustentabilidade, exatamente em um dos setores da economia que mais poluem o meio ambiente?

GUILHERME WEEGE Realmente parece algo contraintuitivo, uma vez que o nosso setor é mesmo altamente poluente. O consumidor não acha que, ao comprar uma peça de vestuário, está adquirindo algo do segundo setor que mais polui no planeta.

Para se ter uma ideia, 23% dos produtos químicos são consumidos pelo setor de moda. Mas a nossa mentalidade é diferente e começou há mais de 50 anos, na fundação da companhia: era primeiro olhar a qualidade e a durabilidade das peças. Hoje as nossas coleções são muito mais atemporais. Nossa coleção de inverno, por exemplo, se chama “invernos”, porque queremos que aquela peça dure mais estações. E essa mentalidade se estende para a companhia toda. Temos relações longevas com os nossos funcionários, que muitas vezes estão aqui por 20, 30, 40 anos. A sustentabilidade está justamente nessa nossa relação duradoura com o planeta, e isso implica muita inovação, muito desenvolvimento interno.

EMPRESÁRIO DIGITAL Você pode dar um exemplo prático desse compromisso com a sustentabilidade?

GUILHERME WEEGE Esta calça aqui que eu estou usando é fruto da primeira fábrica de jeans no mundo que, em vez de consumir 100 litros de água por cada calça ou par de jeans, consome apenas um copo d’água. Esse foi nosso primeiro grande investimento, junto com muita pesquisa e desenvolvimento com a cadeia toda por trás. Foi a primeira fábrica desse tipo no planeta – hoje já são três. Esta camiseta aqui tem 30% de redução de água, usa amaciante à base de cupuaçu, o que também foi uma invenção interna, nossa.

EMPRESÁRIO DIGITAL Você diz que as pessoas costumam usar só 30% do que têm no guarda-roupa, até questionando se elas precisam de tantas peças. Esse discurso não confronta seu business, que é exatamente vender roupa para as pessoas? Como você concilia esse pensamento e a necessidade do negócio?

GUILHERME WEEGE Olhando os dados que vêm do exterior, sabemos que nós não usamos 70% das nossas roupas ao longo de um ano. E isso gera muita reflexão. Quanto se gastou de matéria-prima? Quanto esforço? Quanta dedicação em cima de algo que está ali parado? Primeiro tentamos mostrar para o consumidor, especialmente o das classes mais baixas, que tem dinheiro parado no nosso guarda-roupa. É muito mais sustentável que essa peça seja vendida para uma peça a menos precisar ser produzida. Estimular primeiro o consumo consciente, de comprar das marcas que produzem de uma forma melhor, incentivar a troca, o uso de roupas de segunda mão. Apoiamos inúmeros brechós e enxergamos que nosso modelo é mais longevo. Pode parecer que, ao estimular o consumo mais consciente, isso seja prejudicial para o nosso negócio, mas apostamos muito mais na recorrência. Até porque lideramos o nosso setor nessa frente sustentável, estimulando o consumidor a se perguntar: como minha roupa foi produzida? Quão transparente é aquela marca de preferência? Quando o consumidor se torna mais atento e questiona mais, ele procura marcas como as nossas, que trabalham de uma forma mais sustentável.

EMPRESÁRIO DIGITAL Que atitudes conscientes um consumidor de moda pode ter em relação à sustentabilidade?

GUILHERME WEEGE A primeira coisa é questionar. Questionar as marcas sobre como aquela roupa foi produzida, quais são os materiais envolvidos. Acho que isso gera um movimento.

Nunca nos colocamos em um espaço de querer ser os mais sustentáveis sozinhos, porque queremos mudar a cara de um setor. Depois de questionar, o segundo passo, obviamente, é comprar de marcas conhecidas por produzir de uma forma diferente, seja economizando água, emissões… para depois estimular a troca e a compra de segunda mão. Sempre se perguntar: “será que eu realmente preciso desse produto agora?” Lógico que é difícil, porque estamos em um setor cujo papel também é de aumentar a nossa autoestima. De comprar alguma coisa para nos sentirmos bem.

EMPRESÁRIO DIGITAL Guilherme, hoje muita empresa se engaja nesses temas do ESG para ficar de bem com os fundos de investimento. Mas no caso da sua empresa é nítido que há uma autenticidade nesse propósito. Essa preocupação com a sustentabilidade permeia a cultura

do Grupo Malwee?

GUILHERME WEEGE Olha, eu vejo sustentabilidade aqui desde que entrei na empresa. Ela está na nossa cultura. Sempre conto uma história que, uns 20 anos atrás, eu estava numa reunião para decidir se compraríamos uma máquina que custava, vamos supor, 1 milhão, ou outra que custava 1 milhão e 200 mil reais, mas economizava água e energia no processo. E eu fiz um questionamento: o tanto que ela economiza de água e energia compensa pagar 200 mil a mais? E aí um executivo olhou para mim como se eu fosse um ser de outro planeta por ter feito a pergunta, e falou: “não, não vai compensar, mas ela economiza água”. É isso que importa. Então a sustentabilidade já estava na nossa cultura. Fazer o que é correto. O que fizemos foi simplesmente colocar mais metodologia, um plano bastante robusto em cima de todos os nossos pilares, e evoluímos de uma preocupação unicamente com o meio ambiente para a sustentabilidade total e, hoje, ESG. Colocamos metas públicas muito claras para essa evolução e também para fazer uma chamada a todo o nosso setor, que participe dessa jornada. Inclusive permitimos que concorrentes visitem a nossa empresa para conhecer nossas inovações nesse sentido e replicar em suas próprias estruturas. Mas a indústria vai mudar muito mais rápido se o consumidor exigir. Então ele tem um papel, sim, muito importante.

EMPRESÁRIO DIGITAL Queria que você falasse um pouco sobre o pioneirismo de vocês com essas roupas antivirais.

GUILHERME WEEGE Já tínhamos muito de nanotecnologia dentro da indústria, coisas que existem há muitos anos: antibacteriano, antiodor, hidrofóbico, que repele a água. Então, no começo da pandemia, quando todo mundo estava com medo, olhamos para esses antivirais primeiro na forma de máscaras e depois na linha completa de camisetas. E não é um antiviral genérico, é com o próprio vírus da Covid. Fizemos mais com a intenção de proteger a população do que tornar isso um business. Tanto que todas as vendas do nosso e-commerce tinham o lucro revertido para diversas instituições e gente que foi atingida pela pandemia.

EMPRESÁRIO DIGITAL Você foi fundador da Desa, uma das maiores empresas de energia renovável do país. A sua trajetória de carreira tem a ver com os caminhos que você aponta para o Grupo Malwee?

GUILHERME WEEGE Nossas escolhas sempre devem incluir nossos valores. As escolhas de vida, de empreendedorismo… Então quando você fala da fundação de uma empresa de energia renovável, assim como tantas outras escolhas de investimento que eu acabo fazendo, sempre tem esse olhar sobre o que essa companhia, ou mesmo uma startup, pode promover de mudança. Vai mudar a cara de um setor? Vou ter uma energia mais renovável? Algum acesso à tecnologia que beneficie um tipo específico de público? Acho que os valores precisam estar sempre em primeiro lugar dentro

dessas escolhas.

EMPRESÁRIO DIGITAL Você é Embaixador do Clima do Pacto Global da ONU. Qual a sua atuação nesse papel?

GUILHERME WEEGE Basicamente é engajar outros empresários ou empresas para que se comprometam com esse tema de redução de emissões, olhando muito mais para a questão do aquecimento global. Aparentemente, o objetivo é muito simples, de aumentar esse engajamento, mas é bastante difícil fazer com que alguns setores se engajem. Principalmente as empresas que atuam mais no B2B, então não sofrem questionamento do consumidor e costumam ter uma atividade industrial que gera grande parte do CO2 na cadeia.

EMPRESÁRIO DIGITAL Nesta pandemia, com muita gente no home office, mudaram as peças mais consumidas?

GUILHERME WEEGE Sim, o padrão de consumo mudou globalmente. Quando, lá no começo, estava tudo fechado, a linha de pijamas cresceu 500%. Depois, com as pessoas comendo e bebendo bastante dentro de casa, foi a vez da linha fitness crescer. Esses foram os movimentos mais de curto prazo dentro da pandemia.

Depois, com o home office, ficamos muito mais informais, e isso beneficia muitas das marcas que temos aqui no grupo, que são de peças mais confortáveis e não especificamente de trabalho. Hoje, muitas vezes, a roupa de final de semana virou aquela que usamos também no dia a dia.

EMPRESÁRIO DIGITAL A empresa se engajou em ações para ajudar as pessoas nesse período difícil?

GUILHERME WEEGE Fizemos muita coisa, muita doação de máscaras e aventais para hospitais. Conseguimos conectar muitas costureiras Brasil afora que estavam sem trabalho, mandando material para fazerem máscara e outras peças. E essas ações são reconhecidas, seja pela cadeia produtiva, seja pelo consumidor final. A forma como nos comportamos durante a pandemia tem nos aproximado cada vez mais dos nossos valores.

EMPRESÁRIO DIGITAL Quais são as principais metas da empresa para os próximos anos?

GUILHERME WEEGE Uma empresa de moda sempre terá a meta de expressar relevância para o consumidor. Nossos canais digitais também terão uma participação mais importante dentro do nosso negócio. E nossas metas de ESG estão atreladas a todo mundo que ganha bônus, PLR. Aqui há um alinhamento bastante grande quando falamos de metas de diversidade, de redução de emissões, de consumo de água. Claro que queremos sempre crescer, ser mais relevantes, ganhar share, digitalizar nosso negócio. Mas as metas de ESG estão com um protagonismo cada vez maior dentro do Grupo Malwee.

Outubro 2024

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