Israel Kenan, presidente da Kornit Digital Brasil, aponta os caminhos em que a tecnologia mais disruptiva pode transformar o setor de tecidos. Ele vai ficar mais produtivo, sustentável e personalizado.
Nossa reportagem encontrou Israel Kenan, presidente da Kornit Digital Brasil, em São Paulo, num espaço da C&A. Naquele lugar, esse grande varejista brasileiro estava experimentando a revolução digital que a Kornit tem proporcionado no campo da impressão. Havia, no espaço embaixo de onde conversávamos, uma máquina rolo a rolo, com o objetivo de fazer tiragens curtas, cápsulas, produções-relâmpago.
E a C&A é uma das marcas que têm se beneficiado das inovações que a Kornit tem trazido para a indústria têxtil no país. Outras de renome no campo do vestuário, como Track&Field e Reserva, também estão satisfeitas com as impressoras da empresa administrada por Israel.
Isso porque a Kornit tem se mostrado uma expoente quando se fala em transformação digital no setor têxtil. Apresenta tecnologias inovadoras capazes de dar aos clientes soluções que atendam a necessidades específicas, numa rara combinação entre sustentabilidade e melhores resultados de negócio.
Como? É o que o executivo explica nesta entrevista exclusiva que você vai ler a seguir.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você está no ramo da impressão praticamente desde a infância, correto? Conte um pouco como foi seu crescimento nessa atividade.
ISRAEL KENAN Eu comecei na área de impressão muitos anos atrás. Minha família em Israel tinha um negócio de distribuição de material serigráfico. Com 12 anos, eu já sabia interpretar cores de Pantone; com 14, já esticava telas e até resolvia problemas técnicos de tintas UV para diferentes indústrias do setor de serigrafia. Com 21 anos, depois de prestar serviço militar em Israel numa unidade de combate da Marinha, saí para estudar nos Estados Unidos. Na universidade conheci minha esposa, brasileira, e assim a vida nos mandou para diferentes lugares, construindo uma carreira internacional. Moramos no México, Estados Unidos, Brasil, Israel, Espanha e agora novamente no Brasil.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como você via a impressão digital na época?
ISRAEL KENAN Sempre acreditei que o que deve ser digital será digital! Isso ocorre em todas as indústrias, não há como resistir, são ciclos tecnológicos que passam pelas nossas vidas. Fui executivo na HP por quase 15 anos em função de uma aquisição. Eu fui vice-presidente da América Latina de uma empresa israelense que se chamava Scitex Vision, do setor de impressão digital de grande formato. A HP comprou essa empresa em 2005 e eu fiz parte dessa integração. Mudei junto com a HP para Israel e de lá para Barcelona. Eu vivi essa transformação da indústria de perto. Quando alguém lança uma tecnologia disruptiva, ela acaba mudando o mercado analógico para o digital. Isso acontece, são ciclos tecnológicos que passam pelas nossas vidas.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como a evolução tecnológica está mudando especificamente a indústria têxtil?
ISRAEL KENAN Essa é uma indústria extremamente poluente, que usa recursos naturais como a plantação de algodão, e a quantidade de água que se usa no processo é difícil de imaginar. E o setor parece que parou no tempo: está usando as mesmas tecnologias que utilizava nos anos 1960. Houve uma pequena evolução digital, mas que não resolveu os problemas inerentes a essa indústria, como o consumo de água e a demora no processo, além do gasto gigante de energia. A Kornit Digital, então, veio com uma tecnologia realmente disruptiva. Ela dá uma conotação nova à mudança que já está acontecendo no setor têxtil.
EMPRESÁRIO DIGITAL Quais são os diferenciais dessa tecnologia?
ISRAEL KENAN Ela vem com um conceito novo de wet on wet (molhado sobre molhado). O que a Kornit descobriu, em 2003, quando lançou essa tecnologia no mundo, é que conseguimos combinar dois componentes com viscosidade de água, e no momento em que esses dois se tocam acontece um fenômeno químico: eles se grudam e vira uma coagulação. Com esse conceito, podemos imprimir diferentes tipos de tecidos, não importa o tipo de fibra. Na indústria convencional, quando você quer lidar com impressão em tecido, precisa pensar em qual seria a base desse tecido e, conforme a base, seja algodão, poliéster, você escolhe a tecnologia mais adequada: vou fazer reativo, ácido, sublimação… Já a Kornit consegue atender a todo tipo de fibra.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você pode falar sobre a importância de ser um destaque em sustentabilidade?
ISRAEL KENAN O ESG trata de três elementos importantes: elemento social, de água e ecologia, e a tecnologia Kornit consegue realmente atender aos três. Primeiro vamos falar da parte da água. Produzimos o metro de tecido utilizando 98% menos água que a metodologia convencional (e até que a digital, porque ainda continua usando a água da mesma forma do processo mais tradicional). Mas o problema principal do têxtil é o desperdício. A cada quatro peças que a indústria brasileira produz, uma vai para o lixo. Então vamos pensar numa marca que vai gastar R$ 20 milhões para lançar uma coleção. Ela pode devolver, na caixa, só R$ 10 milhões numa forma saudável. Os outros 10 são comprometidos de alguma forma. Nosso trabalho na Kornit é produzir sob demanda. Uma vez que temos de agredir o meio ambiente, irrigar o algodão… vamos produzir somente o que for necessário naquele momento. E essa é a missão da Kornit do ponto de vista do ESG.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como as marcas se beneficiam de trabalhar com menor estoque, maior agilidade e uma produção mais competitiva?
ISRAEL KENAN Esse é justamente o ponto. Como funciona o pulmão da indústria? O setor têxtil hoje trabalha num sistema em que você gera estoque e depois demanda para desovar o estoque. Na Kornit a gente mostra para essas grandes marcas como inverter o conceito. No lugar de fazer estoque e sair vendendo, a empresa pode vender um produto que é virtual, digital e, só quando entrar o pedido, você realmente vai produzi-lo. E isso vira um sonho de consumo, todas as marcas querem fazer dessa forma.
EMPRESÁRIO DIGITAL E por que nem todas fazem?
ISRAEL KENAN Porque precisa realmente de uma mudança de DNA. Tanto que nossos relacionamentos não são no nível de comprador: são com CEO, contabilidade, com fiscal, com RH, com produção… Porque uma empresa que quer verticalizar, passar para esse processo de on demand, precisa pensar totalmente diferente. O conceito de fazer estoque e sair vendendo não vai durar muito tempo. O cliente muda, é suscetível num nível que as marcas hoje não têm como segurar. Não tem mais como planejar o que vai vender daqui a oito meses. São ciclos de dias. Não há como fazer estoque pensando que no verão as pessoas vão querer cor azul. Chega lá e o cliente já quer marrom, cinza… Então dizemos para as marcas aprenderem uma forma nova de trabalhar, que hoje representa uma porcentagem pequena do seu volume, mas, conforme a evolução tecnológica avança, essa porcentagem vai crescer e ajudar a sustentar o negócio.
Estamos aqui para ganhar dinheiro, as marcas não fazem isso por caridade. Elas querem fazer o ESG, mas ganhando dinheiro. A Kornit está justamente nessa posição de ajudar a empresa nesses dois caminhos.
EMPRESÁRIO DIGITAL Essa revolução digital está restrita a expoentes da inovação como a sua empresa ou é uma tendência no mercado têxtil?
ISRAEL KENAN Somos apenas um player nessa transformação do setor têxtil. Existem outros (e muitos vêm de Israel) que estão numa revolução constante. Um exemplo é uma empresa israelense que se chama Twine, que inclusive vem do mesmo núcleo de empresários que lançaram a Kornit. Ela pensou: como posso mudar a cor do fio de uma forma digital para bordado ou costura? Então, do estoque que você tem de fios em diferentes cores, há os que você não vai usar ou que o fornecedor entregou com uma cor que não é da mesma tonalidade. A empresa, então, inventou uma máquina em que você coloca um fio branco de um lado e ele sai colorido do outro. Outras empresas inovam em questão de processos; em como captar um produto virtual, 3D, online, e transformá-lo, em tempo real, em uma imagem 2D, flat, para poder imprimir. Essa revolução, enfim, requer a integração de muitos elementos. E estamos num papel também de consultores. Não necessariamente só vender a nossa solução, mas ajudar os nossos clientes a achar o caminho correto para essa inovação.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você pode nos apresentar um case bacana de cliente que usa sua tecnologia de forma produtiva?
ISRAEL KENAN Um bom exemplo é a Gato Mia, de Santa Catarina, especializada em roupa infantil. Nesse caso, em modelagem de menina, às vezes você quer usar três tipos diferentes na combinação da peça, mas precisa que sejam da mesma cor. Se você pede cada tipo de um fornecedor, no fim das contas vê que as cores não batem. Com a nossa tecnologia, você pode imprimir 5 metros de malha, 5 metros de sarja e 5 metros de poliamida. Em uma hora está pronto. E a cor bate perfeitamente bem.
EMPRESÁRIO DIGITAL O seu negócio sofreu algum tipo de impacto com a pandemia?
ISRAEL KENAN No pior momento da pandemia, os varejistas não conseguiam vender. Todo mundo tinha estoque nas lojas, e o e-commerce pré-pandemia era muito fraco. A partir de março de 2020, houve um lockdown mais rigoroso, as pessoas ficavam em casa e não tinham como comprar nada. Todo mundo passou, de um dia para o outro, para o mercado online. E quem já tinha, mesmo que pouco, um sistema que atendia a operação online conseguiu explodir. Nós, da Kornit, tivemos de triplicar a nossa fábrica para atender à demanda. Crescemos mais de 300% na pandemia. Obviamente depois veio o platô, e esse crescimento diminuiu de ritmo, porque todo mundo voltou a comprar nas lojas. Mas houve uma mudança sem volta: nos EUA, fecharam mais de mil shopping centers. Estão fechando mais de dois todo santo dia, até hoje. O mercado americano já passou por essa transformação, e a gente vê empresas como a Zara fechando 1.200 lojas. Mas a Zara perdeu dinheiro? Não. A ação da Zara na Bolsa de Madrid cresce entre 20% e 30% a cada ano. Isso porque estão fazendo a coisa certa: mudando para online, para uma produção mais curta, de personalização, on demand…
EMPRESÁRIO DIGITAL Houve também um desafio de logística?
ISRAEL KENAN Sim, faltaram containers, não tinha como entregar; enquanto o preço do petróleo desceu, o do transporte subiu… Mas essa questão da logística mostrou que todo mundo tem de pensar no que a gente chama em inglês de nearshore ou onshore. É muito importante que você produza perto do cliente final ou pelo menos no país vizinho. Se você pegar os dados históricos de importação americana da China, vai ver que, depois da pandemia, a quantidade que os americanos importam da China diminuiu muito. Porque os EUA entenderam que precisam fortalecer laços nacionais ou regionais. Se houver amanhã outra pandemia, é preciso movimentar seus produtos de uma forma mais próxima ao seu cliente final. Em Barcelona, eu vi situações malucas, em que um fio sai de Bangladesh, vai para a Turquia, depois para o Marrocos, onde é finalizado; dali ele vai para a Polônia, para ser estampado, impresso, costurado, para só então ser vendido na Catalunha. Passou pelo mundo todo para poder entregar uma peça. Hoje as pessoas estão se preocupando menos com preço e, sim, em fazer uma operação mais responsável.
EMPRESÁRIO DIGITAL Houve mudanças de modelo de negócio na Kornit, recentemente?
ISRAEL KENAN Uma das transformações que implementamos aqui no Brasil foi que começamos a vender máquinas não pelo valor de capital, até porque nossas máquinas são de Israel… Estabelecemos um processo em que o cliente, se ele tiver volume, pode comprar ou alugar a máquina, num processo muito parecido com aquele em que você tinha impressoras Xerox no escritório, mas não precisava comprá-las. Havia um contrato dizendo quantas impressões ia fazer, e assim a empresa sempre tinha a impressora mais moderna à disposição. Se você possuía volume, o pessoal da Xerox entregava a máquina para você. Fizemos o mesmo processo e já tivemos muito sucesso com algumas marcas brasileiras.
Acredito que esse modelo vai ser interessantíssimo para marcas que não têm experiência hoje em produção e querem verticalizar.
EMPRESÁRIO DIGITAL Quais novidades você pode adiantar?
ISRAEL KENAN Marcamos presença na ITMA 2023, a feira mais importante do mundo para a indústria têxtil. Essa feira acontece a cada quatro anos, e cada vez é um lugar na Europa. Neste evento, que acontece agora em Milão, apresentamos para a indústria como passar de personalização para produção de massa. Exibimos algumas novidades, como uma máquina que encaixa perfeitamente no setor serigráfico. Chama-se Apollo, produz 400 camisetas por hora, em sistema robótico, com operador, tudo sustentável. Por que agora podemos fazer produção para massas? Quando você vê a produção tecnológica, isso aconteceu na indústria gráfica, na visual, e está acontecendo na indústria têxtil. As primeiras cópias que nascem são mais caras, porque a tecnologia ainda não está madura. Então o que você vai fazer? Personalização, uma foto sua, uma imagem com a qual você tenha uma afinidade emocional. Mas essa peça não vai massificar. Porque prateleira não tem nada de emoção. Conforme a tecnologia vai amadurecendo, a tecnologia vai subindo e o preço vai caindo, você acaba captando mais volume. Então estimamos que essa tecnologia Apollo pode eliminar, para um cliente brasileiro que tenha 30, 40 carrosséis de serigrafia, provavelmente metade do que ele tem.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como você vê a serigrafia hoje?
ISRAEL KENAN Se você olhar toda a produção de uma serigrafia típica fazendo 100 mil peças por mês, metade tem bom custo para fazer nesse processo, para gravar tela, todo o processo de set-up, que é demorado e caro, mas só 50% vale a pena fazer na serigrafia; a outra metade não compensa. Antigamente, você podia ver a diferença entre uma peça digital e uma de serigrafia. E o cliente achava que o consumidor ia sentir isso na prateleira. Hoje podemos fazer igual. Há grandes clientes que produzem na serigrafia e depois fazem o repique, a reposição de prateleira, na forma digital. Trabalhar com as duas tecnologias é a forma mais inteligente possível.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como os varejistas daqui podem fazer frente à Shein?
ISRAEL KENAN A Shein tem vários núcleos pequenos de costura na China e está em cima da rede social olhando a tendência.
Ela lança uma peça virtual-piloto, que não existe ainda, e começa a captar pedidos. Se entrarem 10 mil pedidos daquela peça, ela manda para uma fração de costura a produção dessa peça. Assim consegue chegar aqui ao Brasil em 15 dias. E isso com uma peça pronta que você comprou online. As marcas brasileiras ainda não conseguem fazer essa evolução por uma questão de mindset. Temos que promover essa mudança e rápido! O cliente começa a comprar na Shein porque é barato, a qualidade não é muito boa, mas deve melhorar com o tempo. Obviamente não chega ao nível da Zara ou da Renner, mas é interessante para alguns clientes.