Há algo no Brasil que parece desafiar as regras da gravidade econômica. Enquanto o mundo inteiro caminha em direção à queda dos juros e à estabilização econômica, o Brasil segue em outra direção. Não apenas sobem os juros, mas também a imprevisibilidade, a complexidade e — de certa forma — o potencial de oportunidades que surgem nesse cenário caótico. Foi nesse contexto que ocorreu o recente encontro do IBEF-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo), com CFOs das principais empresas listadas na bolsa. A pergunta que pairava no ar era quase óbvia: como as empresas conseguem crescer e se reinventar em meio a um país que se move na contramão do fluxo global?
Entre os participantes, estiveram presentes Catia Pereira, ex-Sabesp; André Rodrigues, CFO da WEG; Marcelo Bacci, CFO da Suzano; e Luis Blanco, CFO da Afya. O evento foi moderado por Fabiana Arana, sócia do BTG Pactual, que conduziu o painel enriquecedor sobre temas como governança, sustentabilidade, expansão internacional e gestão de endividamento.
Antes de iniciar o painel, Magali Leite, presidente da Diretoria Executiva do IBEF São Paulo, abriu o evento destacando a relevância do debate para a comunidade empresarial. Seu discurso inicial reforçou a importância de manter o diálogo aberto entre empresas e líderes, criando um ambiente favorável ao intercâmbio de ideias e experiências.
O tom de que estamos prestes a enfrentar uma alta de juros violenta e rápida indica com clareza que, ao mesmo tempo, teremos uma espécie de resignação à realidade brasileira. O “freio de arrumação”, uma expressão que, mais do que uma descrição literal, capturava o espírito do país, representa um momento de pausa e ajuste, mas não de estagnação. Esse choque tem sido visto como um mecanismo para reorganizar a casa, alinhar expectativas e preparar as empresas para um novo ciclo. Enquanto o mundo suaviza suas políticas monetárias, o Brasil opta por uma força que, paradoxalmente, é necessária.
Mas como essa força se traduz no cotidiano das empresas? Marcelo Bacci, da Suzano, trouxe uma perspectiva intrigante. Quando questionado sobre o impacto dos juros no endividamento, buscou abordar o tema por outro ângulo: “Nós jogamos com outra moeda”. A Suzano, com suas receitas ancoradas em dólar, opera em uma realidade paralela ao caos cambial brasileiro. Com 90% de suas receitas em dólar, a empresa possui uma margem de manobra que poucas outras têm. Mas não se trata apenas de uma questão cambial; é uma estratégia de blindagem contra as oscilações locais, uma leitura antecipada de riscos que permite à Suzano olhar além do curto prazo.
Essa visão estratégica foi reiterada quando Bacci explicou a recente expansão da empresa para os Estados Unidos. A compra de uma fábrica de embalagens não foi apenas um movimento de diversificação, mas de sobrevivência inteligente. O setor de embalagens tem menos volatilidade e, ao se aproximar de mercados mais estáveis, a Suzano se protege das flutuações que caracterizam o mercado de commodities. “Estamos nos aproximando de setores onde a demanda é mais previsível”, afirmou ele, sem hesitação. A pergunta que fica é: quantas outras empresas estão preparadas para fazer o mesmo? Quantas conseguem enxergar além do ruído de curto prazo e apostar em movimentos que só se justificarão no longo prazo?
No entanto, o cenário brasileiro, com suas crises recorrentes e instabilidade econômica, pode dar a impressão de que o país está constantemente à beira de um colapso. Mas essa percepção nem sempre corresponde à realidade. Embora as manchetes frequentemente destaquem os desafios e dificuldades, os números mostram que as empresas estão crescendo, desalavancando e aumentando receitas e lucros. Esse paradoxo — um país de crises constantes, mas também de oportunidades emergentes — revela-se para aqueles que sabem ler nas entrelinhas e identificar janelas de inovação e transformação.
Esse foi o ponto central de Luis Blanco, da Afya, que destacou como a educação médica, um setor tradicionalmente estável, se transformou em um verdadeiro motor de crescimento. “Somos mais do que uma empresa de educação médica”, afirmou. “Estamos criando um ecossistema completo que acompanha o médico desde a graduação até sua prática clínica”. A Afya percebeu algo fundamental: em tempos de incerteza, as pessoas buscam continuidade. No caso dos médicos, essa continuidade está na formação e no suporte ao longo de toda a carreira. Com ferramentas de IA e plataformas tecnológicas, a Afya está se posicionando como mais do que uma provedora de ensino. Ela está construindo o futuro da prática médica no Brasil.
“Nosso guidance de receita líquida para 2024 é de R$ 3,3 bilhões, consolidando nossa liderança no setor de educação e em serviços voltados para a prática médica”, relatou Blanco. A Afya atinge cerca de 40% dos médicos e estudantes de medicina no Brasil, oferecendo não apenas educação, mas também serviços tecnológicos que apoiam os profissionais médicos em suas práticas, como prontuários eletrônicos e sistemas de apoio à decisão clínica.
Enquanto a Afya aposta em tecnologia e especialização, Cátia Pereira, ex-CFO da Sabesp, trouxe um ponto de vista igualmente crucial: o ESG (Environmental, Social, and Governance) como ferramenta de transformação. Para Cátia, o ESG não é um adendo ou uma estratégia lateral; está no DNA da Sabesp. Como uma empresa que lida diretamente com saneamento e meio ambiente, a sustentabilidade é uma obrigação, não uma opção. O processo de privatização só confirmou como esta agenda é conduzida pela Companhia, com governança forte, responsabilidade social e ambiental. “A Sabesp, com o processo de reestruturação implementada em 2023, teve como objetivo tornar a Companhia mais eficiente ainda como pública, e isto foi comprovado com os resultados entregues, além é claro da expectativa de valor gerada pelo processo de privatização”, disse ela, apontando para a valorização das ações no período de 2023-2024.
Catia Pereira complementou: “Nosso desafio é garantir a universalização do saneamento até 2029, o que requer aproximadamente R$ 70 bilhões em investimentos, que é uma proxy para a entrega das metas estabelecidas. Mesmo com as altas taxas de juros, o compromisso de executar o Capex está dado em contrato, que será suportado em parte pela geração de caixa e por novas fontes de financiamento, o que nos dá confiança para seguir com esse planejamento”
Ela também abordou a diversidade dentro da companhia, destacando o programa “Ao Lado Delas”, que busca aumentar a representatividade feminina nas lideranças. No setor de saneamento, historicamente dominado por homens, a Sabesp está mudando essa dinâmica, uma mulher por vez. E isso não é apenas uma questão de equidade, mas de trazer novas perspectivas para a mesa, algo essencial em um momento de profunda transformação.
André Rodrigues, da WEG, apresentou uma visão quase filosófica da expansão global da empresa. “A WEG não dá grandes saltos; nós damos passos firmes”, disse ele. Para a WEG, cada nova entrada em um mercado é cuidadosamente calculada. “Aprendemos que ter paciência e esperar pelos resultados não prejudica o consolidado da WEG”, comentou, revelando a estratégia de longo prazo que a empresa adotou desde sua fundação. É uma abordagem que ressoa com a ideia de que, em tempos de crise, quem se move devagar, mas de forma constante, chega mais longe.
“Desde 1995, a WEG tem registrado um crescimento médio anual de 18%, e isso só é possível porque seguimos três pilares essenciais: expansão nos mercados de produtos maduros, internacionalização e criação de novos negócios”, explicou André. Ele também enfatizou a importância da inovação contínua, especialmente em áreas como energia renovável e mobilidade elétrica.
A WEG não é mais apenas uma empresa de motores elétricos. Com presença em 17 países, a companhia está à frente em setores como mobilidade elétrica e energia renovável. E enquanto muitas empresas buscam a expansão a qualquer custo, a WEG prefere consolidar cada conquista antes de partir para a próxima. É uma abordagem em um mundo onde a pressa geralmente leva a erros. Como Rodrigues disse: “Escorregar faz parte, mas grandes saltos podem te fazer cair em um abismo”.
O que se percebe ao final do encontro é que, apesar das diferenças de setor, tamanho e estratégia, há um fio condutor que une todas essas empresas: a capacidade de se adaptar e prosperar em um cenário incerto. O Brasil pode ser um país de crises constantes, mas para quem sabe identificar as oportunidades, ele é também um campo fértil para inovação, crescimento e reinvenção. Equilibrar o presente caótico com um futuro promissor exige uma linha tênue: nem tão curta a ponto de perder a credibilidade, nem tão longa a ponto de perder a esperança.
Crédito da foto: Marcos Mesquita