Em dezembro de 2023, foi sancionada a Lei 14.790, que finalmente marca a etapa final rumo à regulamentação da atividade de apostas no Brasil. A versão final da lei não difere muito do que já constava no Projeto de Lei 3626/2023, mas a grande novidade foi a inclusão de jogos de cassino online no texto e no valor da licença de R$ 30 milhões, que agora é devida também para a exploração dessa atividade.
Embora o projeto de lei permita a oferta de apostas esportivas em estabelecimentos físicos, além dos virtuais, as apostas em jogos online só poderão ser oferecidas de forma online.
Outro item importante incluído na Lei 14.790 diz respeito à exploração de loterias estaduais.
Durante o processo regulatório, graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que quebrou o monopólio da Caixa Econômica Federal (CEF) e permitiu a exploração de loterias por estados e Distrito Federal, muito se falou e debateu sobre a possibilidade de oferta de loterias estaduais de forma online a consumidores localizados fora do respectivo estado. Alguns estados até iniciaram os seus próprios processos de autorização e anunciaram a prestação desse serviço nacionalmente.
A Lei 14.790 contém um capítulo inteiro dedicado a estabelecer regras para o funcionamento das loterias estaduais e proíbe expressamente a operação “multijurisdicional”, deixando claro que a comercialização e publicidade de loterias pelos estados deve ser restrita aos consumidores fisicamente localizados dentro dos limites da sua circunscrição ou territorialidade.
Embora a intenção do Governo fosse deixar alguns aspectos da regulamentação para atos subordinados e administrativos, e apesar da necessidade de publicação de atos infralegais que abordarão os detalhes do procedimento de autorização para o funcionamento desta atividade no Brasil, a Lei 14.790 já é bastante detalhada.
A regulamentação das apostas, ao contrário do que muitos acreditam, traz benefícios não apenas ao Governo Brasileiro, mas também e principalmente aos consumidores e às próprias plataformas. É importante ter em mente que o mercado de apostas no Brasil é uma realidade inegável, e os consumidores hoje recorrem às plataformas offshore para participar dessa prática, sem ter como pleitear seus direitos em casos como o não pagamento de prêmios.
Conhecer as regras do jogo e estar em conformidade com elas proporciona segurança e credibilidade a uma atividade ainda marcada por muito preconceito no país.
Vale lembra que a Lei de Contravenções Penais, que proíbe a exploração dos jogos de azar, e é a única norma legal que trata do tema, é de 1941 e, desde então, não sofreu grandes atualizações de forma a acompanhar a realidade do mercado.
A introdução de uma regulamentação efetiva para as apostas esportivas no Brasil não só reconhecerá a prática como uma atividade legítima, como também estabelecerá diretrizes claras para as operações. Essa regulamentação, além de trazer transparência ao mercado, será fundamental para garantir segurança aos consumidores e demais participantes desse ecossistema.
Ainda há muito trabalho pela frente, especialmente em relação aos jogos online, responsáveis por aproximadamente 70% da receita das plataformas de betting, mas cujo conceito deveria ainda ser meticulosamente trabalhado na norma legal para evitar ambiguidades.
Além disso, apesar de a regulamentação acarretar a geração de empregos e originar novas receitas ao mercado, é importante que as empresas interessadas em atuar no Brasil estejam cientes das novas regras e se preparem para um aumento de custos.
Planejamento societário e tributário são essenciais, já que a estruturação de um modelo ineficiente pode acarretar um considerável aumento de custo fiscal, levando algumas empresas a questionarem a viabilidade de atuar no mercado regulado.
Vale lembra que, além dos 12% sobre o GGR, os demais impostos e contribuições devidos pelas pessoas jurídicas – IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS também incidem sobre a receita resultante da atividades dos operadores.
Adicionalmente, junto com a proteção ao consumidor, é provável que haja um aumento de demandas judiciais e, portanto, é importante adotar estratégias de prevenção ou, no mínimo, de aumento das chances de êxito nesse tipo de ação.
Além dos seus direitos básicos, o consumidor tem direito a (i) informação adequada sobre o funcionamento das plataformas, (ii) regras de utilização dos canais eletrônicos, (iii) informação e orientação adequadas e claras sobre as condições e requisitos de previsão dos resultados dos jogos e verificação de prêmios, (iv) informações e orientações adequadas e claras sobre os riscos de perda de valores de apostas e questões associadas ao jogo patológico e (v) proteção de dados pessoais.
O Brasil se prepara para uma fase inédita nas apostas esportivas, trazendo consigo regulamentação, tributação e medidas preventivas para um setor que desempenha um papel vital no cenário esportivo e econômico do país.