Um dos primeiros negros brasileiros aprovados no MIT, Wellington Vitorino fundou o maior programa de formação de lideranças jovens do Brasil. E sua ambição de ampliar as oportunidades para quem tem espírito empreendedor está longe de ter um fim.
O ano é 2020. Wellington Vitorino, um negro de origem humilde, é eleito “Forbes Under 30”, sendo destaque na categoria Terceiro Setor e Impacto Social. Um ano antes, havia sido convidado para palestrar na Universidade Harvard. Pareceria um milagre para o menino que, aos 12 anos, com parcos recursos, fundou uma fábrica de doces e vendia picolé dentro de um batalhão da Polícia Militar no Rio de Janeiro. Mas foi o próprio menino que fez o milagre acontecer.
Com um perfil empreendedor impressionante e muito apreço pelos estudos, Wellington foi um dos primeiros brasileiros negros aprovados no MIT, o prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Mas mais do que isso: quis que outras pessoas tivessem as raras oportunidades que ele teve. Assim fundou o Instituto Four, organização responsável pelo ProLíder, o maior programa de desenvolvimento de lideranças de jovens do país.
Wellington Vitorino é um otimista. E acredita tanto nesta nação que almeja, um dia, ser presidente do Brasil. Conheça sua história extraordinária na entrevista exclusiva que esse empreendedor e palestrante cedeu para a nossa reportagem.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como foi o processo de se tornar um empreendedor logo na infância?
WELLINGTON VITORINO Tomar o caminho do empreendedorismo desde pequeno foi natural. Segui a realidade de muitas pessoas no Brasil que tentam ajudar a família vendendo alguma coisa. Ou tentando ter um pouco mais de autonomia financeira.
No meu caso, foi com 8 anos de idade, vendendo água e refrigerante na praia. Foi muito bom porque eu descobri muito rápido, e muito novo, coisas que eu gostava de fazer.
E às vezes, infelizmente, tem gente com 50 anos que ainda não descobriu como utilizar seus dons, seus talentos. Mais do que brincar com os amigos, eu gostava muito de comprar, botar um valor em cima, vender. Comecei junto com meu irmão, foi meu pai quem nos introduziu nesse caminho. Ele tinha muita iniciativa de ensinar aos filhos o valor do trabalho e o do dinheiro. Então meu pai primeiro fez o investimento, nós ficávamos vendendo na barraca da praia. Aquilo que nós
vendêssemos, a lucratividade era nossa. Meu pai investia, por exemplo, 10 reais para comprar um material, a gente precisava devolver os 10, e o que passasse disso ficava com a gente.
EMPRESÁRIO DIGITAL Uma verdadeira aula de empreendedorismo…
WELLINGTON VITORINO Sim! Baseado nisso, depois eu tomei o risco sozinho, comprei mais mercadorias com o meu dinheiro, lucrei três vezes mais que o meu irmão. Mas o grande ponto de virada da minha vida ocorreu com 12 anos de idade. Foi quando eu comecei a vender picolé dentro do 7º Batalhão de Polícia Militar. Ali comecei um empreendedorismo mais profundo, montei um pequeno negócio de venda de doces, como brigadeiro, cajuzinho, casadinho… itens que normalmente a gente vê nas padarias do Rio de Janeiro. Entendi que havia um potencial grande ali e, em um ano e meio, eu tinha 22, 23 pontos de venda. Nessa época, eu, com 13 anos, passei a pagar minha tia para fazer os doces, essa atividade se tornou o trabalho dela.
Ainda tinha uma freelancer que a ajudava e um amigo que dava apoio nas entregas. Depois, então, descobri que em festa de buffet infantil a margem era muito mais alta. Eu não precisava arriscar meu fluxo de caixa, porque as pessoas me davam 50% de entrada. Logo descobriria que, se eu pegasse o mesmo docinho e colocasse numa caixa com laço, a disposição das pessoas para pagar ficava três vezes maior. Então, para um menino da periferia, eu fiz bastante dinheiro.
EMPRESÁRIO DIGITAL E aí o negócio já não era só algo natural, correto?
WELLINGTON VITORINO Verdade, chegou um momento em que passou a ser mais intencional. Era você parar, refletir, entender as coisas que estão acontecendo e agir. Eu sempre falo que uma das grandes bênçãos que Deus me deu na vida foi isto: por mais que eu não tenha nascido em uma família com estrutura financeira, lá eu tinha estrutura emocional, e isso faz toda a diferença. O trabalho ajudou a moldar muito do que eu sou, mas o que potencializou e exponencializou na minha vida foi a educação. Ela te forma, te dá uma base, te dá perspectiva, e o trabalho é a materialização prática dessa formação, é a maneira que você tem de multiplicar os seus talentos.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você fundou o programa ProLíder com apenas 21 anos em São Paulo, selecionando jovens de todo o Brasil. Como você avalia os resultados do programa até agora?
WELLINGTON VITORINO Tem uma história que eu quase nunca conto. Antes de fazer o ProLíder, que as pessoas falam “nossa, você tinha 21 anos, que ser iluminado”… eu e dois amigos tentamos criar um negócio chamado ProEduque. Na época, reunimos professores, gente relevante, mas o projeto não foi para a frente. A ideia não era tão boa, a execução também era muito complexa, não tínhamos estrutura mental para fazer. Mas isso não gerou frustração. Passamos a reunir as pessoas para discutir, para ouvir… aproveitamos de uma certa credibilidade, porque sempre fomos bons alunos. Então um dia o Florian Bartunek, empresário da Constellation, convidou-me, junto com o Nizan Guanaes, para ir à casa dele, falar das nossas histórias de vida para um público de adolescentes. E ali o Nizan falou um negócio que me impactou muito: o Brasil é um país cheio de grandiosidade, mas cheio de grandes problemas, e a juventude precisava começar a se movimentar para poder fazer alguma coisa. Eu fiquei refletindo, e concluí que poderia estar fazendo mais. Isso era 23 de novembro de 2015, eu praticamente nem consegui dormir. No outro dia já estava com um draft de um programa de liderança.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como foi esse processo para você?
WELLINGTON VITORINO Acho que a melhor resposta para qualquer coisa na vida é a ação: você tem de fazer, não tem outro caminho. Levei o projeto ao Insper, o Fernando Schuler tinha sido diretor do Ibmec, e eu tinha uma proximidade grande com ele; o Schuler inclusive escreveu dois artigos falando sobre mim, e era uma das pessoas mais críticas que eu conheci até o momento. Então ouvir um incentivo dele foi muito importante, porque depois foi uma avalanche de gente só desanimando, falando que não ia dar certo, que era loucura, que eu deveria trabalhar primeiro para poder depois construir alguma coisa. Mas eu decidi agir, e foi isso que não me fez escutar as vozes contrárias.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como foi começar um projeto tão visionário?
WELLINGTON VITORINO O ProLíder já nasceu com o espírito de ser o maior programa de formação de lideranças. E o meu benchmark, as referências que eu tinha de programas, várias delas eram internacionais. Se o MIT, Harvard, Stanford, Columbia, Oxford trazem as melhores pessoas do mundo para dar aula, como é que eu não consigo trazer as melhores do Brasil? Falei “sim, eu vou convencer as pessoas a doar o tempo delas, e em contrapartida vou colocar numa turma que elas tenham orgulho de chegar lá e participar”. No início era um pouco mais de 2 mil candidatos, selecionamos 30 e poucos; hoje são mais ou menos 16 mil, para 80 pessoas selecionadas. Também criamos um programa focado em lideranças amazonenses. Na Amazônia Ocidental, quando você pega Amazonas, Rondônia, Roraima e Acre, são 8 milhões de pessoas. Você não acha que, dessa gente toda, com talentos múltiplos, não há quem a gente possa ajudar a desenvolver lá? Eu tive a oportunidade de estudar no MIT, mas nem todo mundo precisa ir para fora de modo a se desenvolver.
EMPRESÁRIO DIGITAL O ProLíder é baseado em dois pilares: o público, mais político, e também o empreendedor. Por que a inclusão desse lado mais político? Qual foi o objetivo?
WELLINGTON VITORINO Hoje eu tenho um trânsito muito bom entre grandes empresários no Brasil e pessoas do meio executivo. Mas a escalabilidade está no meio público. Uma assinatura do nosso ministro da Fazenda, Economia, que seja, ou do ministro da Educação, tem um impacto colossal. Estou falando de políticas públicas, de maneira geral. Então, quando a gente abarca o meio público, as pessoas que estão nessas esferas, conseguimos levar para políticas públicas o que pensamos sobre a sociedade. Neste governo atual, eu diria que estamos bem mais avançados nesse ponto de sentar, conversar, de interagir muito mais. Então eu sou um otimista. Só reclamar não muda nada. Entre para o time dos que fazem. Já temos como resultado duas dezenas de vereadores, temos um prefeito, dezenas de pessoas atuando em secretarias e ministérios.
EMPRESÁRIO DIGITAL E no campo do empreendedorismo?
WELLINGTON VITORINO Temos umas 30, 40 pessoas que já estudaram ou estão fora do país estudando, desde Harvard, MIT, Columbia, Stanford, Oxford e por aí vai, querendo voltar para o Brasil. Nesse ponto, temos cinco dezenas de empreendedores e empreendedoras. Tem empreendedor nosso que este ano vai faturar R$ 35 milhões no Maranhão.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como foi para você lidar com a repercussão de ser um dos primeiros brasileiros negros aprovados no MIT?
WELLINGTON VITORINO A repercussão foi muito grande. E foi intencional também. Não que eu tenha procurado os veículos de comunicação. Na verdade, teve só um local que eu pedi para ser entrevistado: o Jornal São Gonçalo. Isso porque eu nasci em Niterói, cresci em São Gonçalo. Mas foi intencional porque, um ano e meio antes de ser aprovado, eu sentei com o Guilherme Barros, que é uma pessoa que eu admiro muito, da GBR Comunicação, que faz parte da minha assessoria de imprensa. Falei, o plano é este: eu vou ser aprovado e vamos fazer história. Não fui aprovado da primeira vez que eu tentei, nem tudo são flores. E a vida te testa, né? Quando fui reprovado na primeira vez, não é que o MIT não gostava do meu perfil ou por uma questão de classe social, raça e tal. Não era isso. Quando tentei pela segunda vez, graças a Deus deu certo. E aí a gente já tinha muito resultado com o Instituto Four. Não foi só o Wellington aprovado, havia mais elementos para chamar a atenção, por tudo que a gente
já fazia. Mas foi um reforço muito positivo para a nação. Porque faltam referências. Hoje o Instituto Four tem um programa, juntamente com a Fundação Lemann, para preparar pessoas pretas, pardas e indígenas para estudar fora em mestrados profissionais.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você é uma referência de um negro bem-sucedido que tem uma grande exposição positiva no Brasil. Como você vê a questão da meritocracia e da falta de equidade para que as pessoas tenham os mesmos resultados aqui no país?
WELLINGTON VITORINO Hoje as pessoas discutem muito sobre diversidade e inclusão. Equidade quase não se discute. Isso que você falou, de ser bem-sucedido, é uma questão de parâmetro. Acho que tenho um caminho grande pela frente. Estou fazendo a minha parte. Tive bons resultados, fui bem-sucedido em alguns aspectos, mas acho que, para o meu sonho, como ele é maior, ainda falta alcançar muita coisa. Para que tenha mais pessoas, precisamos gerar mais oportunidades. Os outros não conseguem porque nem todo mundo teve a mesma mãe que eu tive, a mesma estrutura familiar. E, mais do que isso, nem todo mundo passou pelos mesmos caminhos. Mas acho que, na base, a gente deveria dar oportunidade de forma mais equilibrada para que as pessoas consigam desenvolver os seus talentos, as suas habilidades. No Brasil, houve mais tempo de escravidão do que sem escravidão. Há resquícios, mazelas, problemas, desafios, que vêm sendo carregados até hoje. É só parar para refletir. E eu acho que, durante muito tempo, a gente pouco discutiu, a gente pouco entendeu isso. E, graças a Deus, acho que agora o assunto está vindo mais para a mesa. Então, sim, eu sou a favor de políticas afirmativas. Sim, sou a favor de políticas de cotas. Sim, sou a favor de dar oportunidades para as pessoas. Ou tentar, de certa forma, compensar. E também sou a favor de as pessoas se esforçarem. O Brasil tem uma oportunidade colossal de se tornar um dos grandes porta-vozes do mundo e deixar de ser coadjuvante para se tornar protagonista. Mas, para isso, você precisa ter espaços de discussões abertas.
EMPRESÁRIO DIGITAL O que você acha que te falta realizar?
WELLINGTON VITORINO Vou passar uma temporada fora agora e depois eu vou empreender com outras coisas, estou olhando mais para áreas tradicionais, para conseguir colocar tecnologia. Mas eu gosto de fazer primeiro e mostrar depois. O que eu posso falar é que vem coisa boa por aí. Eu consegui convencer um vice-reitor do MIT a me deixar continuar lá, para eles poderem me dar um suporte para construir novas coisas por meio da estrutura da própria faculdade. E, no longo prazo, isso eu não escondo de ninguém, quero entrar para a política. Isso daqui uns 20 anos. Penso muito em cargos executivos, Prefeitura, Governo do Estado, sonhando um dia com a Presidência. Eu acredito, vamos chegar lá.