Maurício Pessoa: O Advogado que as grandes empresas procuram

Conheça o perfil e a visão de Maurício Pessoa, uma das grandes referências jurídicas quando o assunto é a complexa relação empresa-empregado.

Poucos assuntos jurídicos no mundo poderiam ser considerados tão delicados quanto o que ocorreu no ano passado, tendo de um lado a mineradora Vale e, do outro, os sobreviventes e familiares das vítimas do maior acidente de trabalho do Brasil (e um dos maiores do mundo) em perdas humanas: o rompimento de barragem em Brumadinho (MG), que resultou em 259 mortes, além de 11 pessoas desaparecidas. Crise de repercussão internacional, a tragédia voltou os olhos do mundo para a situação dos que perderam tudo com o acidente. Em julho, uma boa notícia em meio a tanto sofrimento: a Vale celebrava um acordo para reparação às vítimas, que incluía garantia de emprego aos sobreviventes, atendimento médico, auxílio-creche e auxílio-educação aos dependentes das vítimas fatais – no caso dos cônjuges, a assistência médica e psicológica é vitalícia.

Uma tratativa com tanto potencial de impacto sobre a imagem da Vale não poderia ser conduzida por um escritório de advocacia, qualquer. A empresa sabia que precisava contar com o que de melhor o país tem no âmbito do Direito Trabalhista. E por isso recorreu ao advogado Maurício Pessoa e sua equipe.

Natural de Salvador, onde começou estagiando no escritório dos primos, Maurício deixou a Bahia aos 23 anos rumo a São Paulo. Na maior cidade do continente, construiu uma carreira impressionante e uma reputação impecável, até abrir seu próprio escritório em 2016. Hoje o Pessoa Advogados está envolvido na maioria dos grandes processos trabalhistas do país. Uma posição que dá a seu fundador um olhar único sobre as importantes questões jurídicas entre empresa e empregado. Uma gota do oceano de conhecimento de Maurício nessa área vale ouro para qualquer gestor no universo corporativo. Na entrevista que o advogado concedeu à nossa reportagem, há pelo menos um copo cheio da visão desse especialista em grandes causas – um profissional de perfil discreto, mas que as maiores empresas sabem quem é.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Por que as grandes empresas procuram você?

MAURÍCIO PESSOA – Não fico confortável em falar de mim, mas escuto dizer que os clientes me procuram esperando uma solução criativa para problemas que escapam do dia a dia. Desde o começo da minha vida profissional, ainda como estagiário, corri atrás de assuntos mais instigantes e me virei para resolvê-los. Lembro de um exemplo. Quando cheguei em São Paulo, aos 23 anos, embora fosse o mais novo da equipe, caiu no meu colo um caso que desafiava a todos os colegas. Busquei conselhos com advogados mais experientes (alguns que nem eram da área), estudei bastante e terminei encontrando uma saída. E assim as coisas foram fluindo. Fui lidando com casos que demandaram muito estudo e inspiração. Mesmo hoje, um pouco mais experiente, se não encontro a saída, procuro quem possa me ajudar a encontrá-la. Não tenho vergonha de perguntar ou dizer que não sei. Sou irrequieto, persistente, mas conheço o meu limite. Por tudo isso é comum empresas com milhares de casos confiarem a mim e à minha equipe poucos deles, porém espinhosos. E não me refiro apenas ao aspecto financeiro da disputa. Há questões complexas envolvendo imagem, a parte institucional ou um dilema moral.

ED – Como é a sua estrutura para atender esses clientes?

MAURÍCIO PESSOA – Nosso escritório é pequeno, a estrutura é modesta, porém não falta e nem sobra nada. Os trabalhos são personalizados. Não acredito em produção em série ou em modelos pré-fabricados quando se trata de litígio ou mesmo de consultoria. Escritório de advocacia não é indústria. Direito é artesanato. Cada caso merece um olhar especial, individualizado, um toque pessoal.

ED – Qual o perfil da maioria dos seus clientes?

MAURÍCIO PESSOA – São empresas com perfis diferentes, mas predominam as do setor bancário, financeiro e indústria. Raramente atendo a pessoas físicas. Me especializei e me sinto mais à vontade cuidando de empresas, com algumas exceções, cumpridamente justificadas. Recentemente assumimos a defesa do jornalista André Rizek, que acionou o Grupo Abril. Além da empatia e admiração que tenho por ele, a causa é fascinante, pois no fundo discute a liberdade de imprensa e busca corrigir uma gravíssima injustiça e inversão de valores. A vitória dele será a vitória do profissional do jornalismo. Por fim, algo que me alegra e orgulha bastante é ser procurado por colegas para trabalhar em conjunto, em casos deles, o que é muito comum. Com isso a responsabilidade é dividida, o prazer é dobrado e o aprendizado é garantido.

ED – Que fatores fazem com que você aceite ou negue uma causa?

MAURÍCIO PESSOA – Em primeiro lugar vem a convicção de que posso agregar. Não assumo uma causa quando acho que, no fim, vou deixar o cliente na mesma situação, ou piorá-la. Ainda que esteja em jogo uma boa recompensa financeira, só pegamos o caso se achamos que podemos trazer algum benefício real para o cliente. O segundo fator é acreditar naquilo que vou propor. Não estou dizendo que seleciono cliente pela empatia ou fé na causa, até porque o senso de avaliação crítica do advogado não deve ser o mesmo da opinião pública. Mas tento, na medida do possível, fazer uma seleção muito sutil – sem mesmo parecer uma seleção – de causas nas quais eu acredito. O terceiro fator é menos palpável: é a vontade de pegar o caso ou não. O escritório ficou com fama de “firma de grandes causas”, mas quem nos conhece de verdade sabe que às vezes atendemos um cliente pequeno unicamente pela satisfação do trabalho em si ou de poder ajudar alguém.

ED – Nesse terceiro fator, o que pode despertar essa satisfação com uma causa de menor expressão?

MAURÍCIO PESSOA – Pode ser um sentimento de fazer valer a justiça em uma determinada situação. Pode ser a sensibilidade a partir da necessidade de alguém e o prazer em ajudar. Hoje é possível recusar um trabalho grande e acolher um caso pequeno simplesmente porque “estamos a fim”. Não que o dinheiro não seja importante, mas ele não é tudo. Alcançar esse estágio é uma benção na vida de um profissional, em qualquer ramo em que você lide com gente.

ED – Além de Brumadinho, você pode mencionar alguma causa que foi especialmente marcante para você?

MAURÍCIO PESSOA – Nossa profissão exige discrição, mas posso citar uma que se tornou muito notória. Em 2016, a Febraban [Federação Brasileira de Bancos] nos procurou para atuar numa causa de impacto nacional. Era um leading case cujo resultado modificava o critério de correção monetária de créditos trabalhistas de quase todas as causas trabalhistas em andamento. A responsabilidade era imensa. Viramos a noite estudando e apresentamos uma solução diferente de todos os demais escritórios cotados para a causa. Aprovada a nossa ideia e confirmada a contratação, obtivemos uma liminar no Supremo Tribunal Federal, que cassava a decisão que havia alterado esse índice. O novo índice, que veio a ser suspenso, encarecia em média 40% os processos trabalhistas no Brasil. Tratava-se de dezenas de milhares, talvez milhões de causas impactadas. Essa liminar causou enorme alvoroço e muita repercussão. Por liderar o trabalho, acabei saindo em alguns jornais, revistas e sites que a noticiaram. Recebi dezenas de mensagens de colegas que nem conhecia. Eu reputo a liminar mais importante dos últimos dez anos envolvendo a Justiça do Trabalho, tanto que o tema tratado veio a ser abordado na famosa Reforma Trabalhista. Foi sem dúvida a decisão mais importante da minha vida profissional pelo impacto, dimensão, número de envolvidos e pela forma criativa como ela foi obtida (com trabalho em equipe, que fique bem claro!).

ED – No Brasil, muitos empresários veem a legislação trabalhista como um obstáculo à contratação e ao vínculo empregatício por sobrecarregar a empresa entre responsabilidades e custos. Como você vê esse tema?

MAURÍCIO PESSOA – Acho que extremos não levam a lugar nenhum. Se deixar que o capital atue sem nenhuma regulação, que empregado e empregador se acertem, há risco de o resultado não ser bom. Mas um ambiente de excesso de regulação também não é produtivo, não favorece o empreendedorismo. Veja o exemplo dos motoristas e motociclistas de aplicativos. Eles estão no limbo jurídico. No Brasil não existe “meio-empregado”. Ou você tem um emprego formal e conta com uma série de direitos, que geram custos elevados, dos quais os empresários reclamam, ou não é empregado e não tem direito nenhum. Acho que nesse ponto a legislação leva a extremos que provocam um desequilíbrio que não é bom para ninguém. Creio que parte das queixas de ambos os lados são procedentes, mas eu seria contra uma liberalização geral ou uma reforma generalizada, que deixasse empregado e empregador sem nenhum tipo de controle. Porque um lado realmente é mais fraco nessa relação. Eu também incentivaria o tratamento diferenciado para situações que justifiquem a diferenciação. A grande igualdade decorre da desigualdade. A Reforma Trabalhista deu um passo interessante quando reconheceu a força dos “altos empregados”. É preciso avançar. Não adianta mudar a lei, se não muda o pensamento. Uma parcela dos juízes do trabalho ainda confunde a proteção da lei com a atuação em favor dos empregados. É uma minoria, diga-se, mas traz uma fama ruim para a nossa querida Justiça Trabalhista. Há também quem pense que todo empregador é um malfeitor. Isso é absolutamente incorreto. Há muito empresário seríssimo nesse país. É a grande maioria, aliás. Por fim, acredito que no Brasil haja excesso de judicialização porque não há cultura de respeito aos contratos. Por aqui a palavra e o contrato são quebrados sem grande cerimônia.

ED – Ter um melhor conhecimento jurídico seria um diferencial positivo para gestores de grandes empresas?

MAURÍCIO PESSOA – Não existe vida sem o Direito. Eu estou falando com você aqui agora e há uma série de leis que incidem sobre a nossa conversa (Lei de proteção de dados, de privacidade, de proteção à imagem etc.). Se eu falar mal de alguém, dependendo do que fale, posso incorrer num tipo penal. Se tivesse cobrado para dar essa entrevista, teríamos estabelecido um contrato. E por aí vai. O Direito está na vida de todo mundo, a todo momento. Conhecê-lo ou ter o mínimo de familiaridade ajuda na tomada de decisões importantes. Não acho que todo empresário ou administrador precise ser profundo conhecedor do Direito, mas noções básicas os tornam mais versáteis para lidar com as questões mais desafiadoras. Com essa percepção, o gestor seleciona melhor quem irá ajudá-lo e atua com mais racionalidade no trato dos problemas. Um advogado pode ser a solução ou a ruína de um sujeito ou de uma empresa e o bom gestor deve saber diferenciar.

ED – A pandemia mudou alguma coisa para o seu escritório?

MAURÍCIO PESSOA – Grandes crises geram problemas complexos. Na pandemia fomos acionados algumas vezes. No curso dela, por incrível que pareça, há a impressão de que a produtividade dos juízes aumentou, porque agora eles estão em casa e trabalham mais e em sossego. Sem audiência presencial, que toma muito tempo, os juízes têm domínio da própria agenda. Durante a pandemia cansei de receber liminares ou decisões impactantes à noite. Percebi que a Justiça vem funcionando com maior produtividade, desde o juiz de primeiro grau, até os tribunais superiores. A pandemia revelou também a grande versatilidade, capacidade de adaptação, compromisso com a missão e enorme comprometimento da grande maioria dos juízes brasileiros, especialmente dos tribunais superiores. Do ponto de vista dos advogados, houve também rápida adaptação à nova realidade virtual (audiências, reuniões julgamentos etc.). Com ausência de deslocamento e viagens, é possível cumprir mais compromissos no mesmo dia e em cidades ou Estados diferentes. Não há mais limitação física para os advogados e houve a inserção de um enorme contingente que tinha dificuldade de se locomover. Caiu o custo para os clientes. Em síntese, o sistema não parou, o que é louvável, por todos os ângulos.

ED – Você acompanha filmes ou séries de advogados, como Suits?

MAURÍCIO PESSOA – Sou absolutamente viciado em minisséries e seriados. Gosto de quase todo tipo, mas especialmente das que envolvem Direito ou investigação. Você acertou na mosca. Um capítulo de Suits pode me dar alguma ideia. Não que vá imitar Harvey Specter, o brilhante advogado da série, mas se pode absorver alguma coisa da forma como ele lida com o cliente, como ele sempre acha uma saída criativa, como cativa advogados e colegas liderando pelo exemplo. Ele também trabalha pelo prazer de ajudar as pessoas que escolhe. O advogado nunca pode abrir mão desse altruísmo. A ficção jamais deve substituir o estudo, mas pode servir de inspiração.

ED – E quando o enredo é da área Penal?

MAURÍCIO PESSOA – A área penal é interessante por vários aspectos. No Brasil, a gente acaba virando conhecedor de Direito Penal só de ler jornal, porque ocupa a maior parte do noticiário. Por exemplo, eu leio quase tudo que sai sobre a Lava Jato. Há várias ideias que coloco em prática em função de uma estratégia que certo advogado adotou, da forma como um juiz decidiu uma questão polêmica, que envolve a opinião pública, e que pode servir de aprendizado para a minha área. Os advogados criminalistas costumam ser grandes estrategistas. Vira e mexe eu bebo deles. Engana-se muito quem acha que as áreas do Direito são estanques, que quem entende de Trabalhista não precisa estudar Direito Civil ou conhecer Direito Penal. Direito é pura analogia. Ele tem uma lógica comum, uma base compartilhada com todas as áreas, que envolve a capacidade de seduzir o raciocínio do juiz, a estratégia como você lida com o processo. Toda causa exige olhar de longo alcance, planos alternativos. Tanto acompanhando uma série ou mesmo o noticiário, o conhecimento adquirido sempre será útil na prática da advocacia. De um fato do cotidiano pode surgir uma ideia a ser aplicada na atividade profissional.

ED – Fazendo uma autorreflexão, quais os diferenciais que têm feito com que você se destaque tanto entre as empresas que precisam de um bom advogado?

MAURÍCIO PESSOA – Como disse antes, não me sinto confortável para falar de mim. Vou abrir uma exceção e mencionar apenas duas particularidades que não me parecem presunçosas. A primeira é uma boa capacidade de observação. Não tem nada que passe na minha frente – e que seja importante – que eu não observe. Estou atento até à forma como um campeão de tênis faz o seu discurso de agradecimento depois de ganhar um importante título, ao jeito como se dirige ao público e ao adversário derrotado. No Direito também costuma haver vencedores e perdedores e isso mexe muito com a emoção. Não é sincero quem o nega ou não vive intensamente quem não o sente. A segunda característica é a coragem. É preciso tê-la para ser um bom advogado. Se você não ousa, não vence. Quem tem medo de desagradar, deve seguir outra profissão. Quem tem medo de arriscar, não inova. O melhor advogado não é o que fala mais alto, que bate na mesa, que intimida, mas o que sabe o que dizer e como dizer, sem se preocupar com que os outros vão pensar. Precisei de força para sair de casa aos 15 anos e da minha cidade natal aos 23 anos. Esse desassombro sempre me empurrou para frente. Foi fundamental para que eu abrisse um escritório num país cujo ambiente empreendedor não é convidativo. Antes disso fiz movimentos arriscados, abandonei zonas de conforto, buscando apenas uma felicidade maior. Se você está feliz, o resto flui. Empreender no Brasil exige uma dose alta de destemor porque por aqui se confunde o insucesso com o fracasso.

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Outubro 2024

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