Edição 216: Tallis Gomes

“O MIDAS DOS APPS”

Com o megassucesso da Singu, delivery de serviços de beleza que atraiu a Natura, Tallis Gomes repete seu feito impressionante com a Easy Taxi e faz história no empreendedorismo brasileiro.

Em 1832, o senador americano Henry Clay inventou uma expressão que entraria para os dicionários da língua inglesa: “self-made man”. A intenção foi descrever um tipo de pessoa cujo sucesso notório dependesse basicamente de seus esforços e qualidades individuais, não das circunstâncias da vida. Pouca gente se encaixa tanto nessa definição quanto o empresário Tallis Gomes, de apenas 33 anos. Nascido em uma cidade pequena do interior de Minas Gerais, pai aos 15 anos e sem diploma de faculdade, Tallis escreveu sua própria história.

Buscou conhecimento por conta própria e apurou um faro empreendedor raríssimo, que enxerga oportunidades onde nunca ninguém prestou atenção. Foi assim que fundou a Easy Taxi com a mesma idade em que muitos estão completando o Ensino Superior. O aplicativo nasceu em 2011, uma época em que pedir serviços pelo smartphone ainda era algo incipiente, e logo atraiu atenção de um fundo alemão que investiria R$ 10 milhões na startup. Com esse aporte, Tallis mostrou que não é só um homem de boas ideias, é um craque em desenvolver bons negócios também. Ele popularizou o aplicativo, internacionalizou o empreendimento, marcando presença em 35 países, e atingiu um público de 20 milhões de clientes.

Em 2017, quando a Cabify comprou a marca, a Easy Taxi era líder mundial no setor de transporte compartilhado e Tallis já havia partido para seu próximo projeto: a Singu, um delivery de serviços de beleza. O novo aplicativo contou com a experiência de marketplace que o empreendedor herdou de seu negócio anterior e logo se transformou em outro sucesso estrondoso – a ponto de receber uma importante injeção de capital da Natura, que obteve o direito de adquirir 100% da marca no futuro. Tallis Gomes escreveu a própria história, e não só no sentido figurado. Entusiasta do compartilhamento de conhecimento, assinou um livro: Nada Easy, em que fala de sua trajetória e dá dicas de empreendedorismo. Essa vocação para a educação ainda o levou a fundar, junto com executivos da Rappi e do Nubank, a escola de executivos Gestão 4.0 – mais um projeto que impressiona por tanto sucesso envolvido.

Mas deixemos que o empreendedor conte, ele mesmo, como tudo isso aconteceu – na entrevista que Tallis cedeu, à reportagem de Empresário Digital.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Desde cedo, você quis ir além das possibilidades que se apresentavam para a sua realidade de vida. O que fez com que chegasse tão longe?

TALLIS GOMES – Acho que foram duas coisas: disciplina e consistência. E isso serve para todo mundo. Quando você pesquisa sobre as pessoas mais bem-sucedidas em suas áreas, todas têm essas duas características muito marcantes. Eu sempre fui disciplinado e consistente na minha vida. Trabalho desde os 14 anos, fundei a Easy Taxi aos 23. Então foram quase dez anos trabalhando consistentemente, por 12, 14 horas por dia, até conseguir o primeiro big hit. Se a gente parar para pensar, geralmente um profissional atinge o sucesso em sua carreira por volta dos 40 anos. A pessoa se forma entre seus 22 e 24 anos, então começa a trabalhar e aí vai ter espaço mesmo com 30. Se for um bom executivo, vira diretor aos 40. É mais ou menos o que foi o meu ciclo, só que eu comecei mais cedo. E nunca parei.

EMPRESÁRIO DIGITAL – A opção por ter um emprego parece que nunca foi muito atraente para você, correto? Sua opção sempre foi batalhar sozinho?

TALLIS GOMES – Eu tentei, cara, mas eu não tinha perfil para ser empregado. Porque eu tenho problema para receber ordem. Apesar de ser disciplinado, eu tenho opiniões muito fortes. Toda vez que tentei ter um emprego, não durei mais de um ano. Eu discordava muito da forma como meus líderes queriam fazer as coisas. E tem muito corporativismo nisso: se você seguir uma formulazinha que agrade o seu chefe, você se mantém no emprego. Eu não consigo jogar esse jogo. Além disso, sou um drop out, eu larguei a faculdade. Na minha época, para contratar, o mercado valorizava muito o fato de você ter um diploma. Eu estudava por conta própria, e já pela internet. Estudei pela Khan Academy [ONG que oferece recursos de educação gratuita por vídeos], montei minha própria grade, passei a estudar Python [linguagem de programação], economia, matemática financeira e política. Fui forçado a construir meus próprios caminhos e foi a melhor coisa que me aconteceu.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Na época da fundação da Easy Taxi, ainda não havia o hábito de chamar carro por aplicativo. Como foi criar uma cultura e transformá-la em um negócio milionário?

TALLIS GOMES – A verdade é que as pessoas só adotam um novo hábito se elas enxergarem, no valor que você oferece, algo que pode ser agregado à vida delas. Deu certo quando perceberam que é muito mais fácil apertar um botão no celular, e chegar um táxi onde você estiver, do que ter que telefonar para um radiotáxi. A facilidade de pagar pelo cartão de crédito que já está vinculado à sua conta no aplicativo é outro fator de transformação – você não precisa mais se preocupar em levar dinheiro vivo no bolso ou se o táxi vai ter maquininha.

EMPRESÁRIO DIGITAL – O que você levou do marketplace da Easy Taxi para a Singu?

TALLIS GOMES – Absolutamente tudo. Começando por criar essas facilidades que mudam uma cultura – como o fato de uma manicure estar na sua casa em meia hora, sem você precisar agendar, sem ter que pegar trânsito. Eu escolhi esse framework para desenvolver negócios com esse edge de disrupção. A pergunta que sempre me fiz é: será que eu posso fazer uma mudança cultural que se transforme num mecanismo importante de crescimento lean? Essa herança de conhecimento também passou pela forma de recrutar profissionais, pelo playbook de operação, nosso modelo de crescimento… tudo. Sem a Easy Taxi, a Singu não seria o sucesso que é hoje.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Como você se envolveu com educação executiva e foi tocar o Gestão 4.0?

TALLIS GOMES – Eu gosto muito de educação, sou apaixonado por dar aula, palestra. Esse mercado até remunera bem, mas é um pagamento que não se encaixa no quanto custa o meu tempo. Por esse desalinhamento, eu não podia me envolver com essa atividade tanto quanto gostaria. Mas aí pensei que precisava existir uma forma de monetizar esse prazer que eu tenho. Entendi então que devia criar uma metodologia. Criei e chamei de Gestão 4.0. A proposta inicial era transformar num livro, mas tivemos a ideia de lançar uma imersão. Foi um enorme sucesso e eu percebi que o negócio era muito maior. Tem um business de educação aqui, e que bate muito com o meu propósito de transformar o Brasil por meio do empreendedorismo. Porque se você melhora a gestão das empresas, elas têm capacidade de contratar mais pessoas. Então são mais famílias gastando, aumenta o PIB, aumenta a capacidade de investimento.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Como o Gestão 4.0 está estruturado?

TALLIS GOMES – O negócio hoje é uma holding porque temos braços de produtos, imersão e mentoria, de consultoria e um clube com assinatura anual para profissionais de gestão. Mensalmente tem um workshop, um encontro de relacionamento e, a cada trimestre, uma aula com os melhores professores do mundo.

Acabamos formando o ecossistema perfeito. Os alunos entram pelos programas de formação. Se esse aluno está começando uma empresa, temos o G4 Startups, um curso digital. Digamos que a startup dele começou a faturar mais de 10 milhões por ano, então ele já está apto a participar do Gestão 4.0, no qual vai se sentar com empresários muito bons nos seus setores. Com essa experiência, ele pode passar para o G4 Consulting, que o ajuda a implementar essas ferramentas e multiplicar o faturamento. Com isso, ele consegue entrar no G4 Club e trocar informações com outros membros do clube.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Você vê a mudança no Brasil passando por incluir educação para o empreendedorismo no Ensino Médio?

TALLIS GOMES – Vejo sim. Eu tenho certeza de que, se for para a rua hoje e perguntar para dez pessoas como elas compõem um fundo de caixa, vou achar só uma que sabe, se achar. A gente sai da escola conhecendo trigonometria, mas não sabe programar uma linguagem básica, que seja Python, não sabe nada de matemática financeira. Deveria entender como o sistema financeiro funciona e saber fazer cálculo de taxa de juros. Precisava saber o básico, a educação financeira salva um país. Você veria profissionais extremamente competentes chegando ao mercado todos os anos. E esse profissional teria capacidade de montar um negócio e gerar empregos. Mais de 80% das novas empresas fecham em menos de dois anos. Por quê? Por falta de conhecimento técnico.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Como foi a experiência de lançar o livro Nada Easy?

TALLIS GOMES – Eu sempre tive vontade de escrever, foi muito legal, mas deu muito trabalho. É um investimento de tempo muito grande. Tentei fazer com ghost writer, mas não deu certo porque não parecia eu falando. Então acabou que eu mesmo escrevi o livro, demorei cerca de seis meses para colocar uma obra de 180 páginas no mercado. Prometi que nunca mais ia fazer isso, mas já estou tentando escrever outro [risos], só que agora sem pressa, sem compromisso de data com editora. Será sobre Gestão 4.0.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Você fala da resiliência como um dos fatores-chave do bom empreendedor. Quão importante tem sido essa capacidade neste período de pandemia?

TALLIS GOMES – Quando você tem um evento macro, que não está sob seu controle, você tem duas opções: ou você surta, ou você vê o que pode fazer. Preciso concentrar no presente porque o passado vai me deixar triste e o futuro está me deixando ansioso. Acho que a resiliência vem um pouco disso. É você fazer um exercício de refletir sobre o que está sob o seu controle no momento. Geralmente a única variável que você controla é o esforço, a quantidade de trabalho que você coloca naquele determinado assunto. Então não adianta eu ficar ansioso, tenho que fazer o que está ao meu alcance. Por exemplo: se eu só tenho dez clientes para mandar proposta e sei que minha conversão é de 10%, preciso aumentar meu lead.

Então rodo uma campanha. O problema é que as pessoas, em vez de aumentar o esforço, preferem colocar a culpa na Dilma, no Bolsonaro, no vírus…

EMPRESÁRIO DIGITAL – E para você, especificamente, como tem sido esse período?

TALLIS GOMES – Cara, apesar dos pesares, 2020 foi o melhor ano da minha vida. Foi quando a Singu recebeu o Investimento da Natura, que era um dos meus sonhos, quando o Gestão 4.0 está triplicando de tamanho. Foi um ano em que tudo deu certo. E por que deu certo?

Porque enquanto as pessoas estavam desacelerando, com a quarentena, a gente estava acelerando, colocando os projetos para rodar. Nos preparamos muito antes e adaptamos os nossos produtos. Em dezembro, já discutíamos como seria a crise.

EMPRESÁRIO DIGITAL – Em dezembro, a maioria das pessoas não imaginava que o Brasil seria afetado por uma pandemia. Como você conseguiu se antecipar e o que mudou no seu dia a dia?

TALLIS GOMES – Eu morei na Ásia, então eu conheço um pessoal de lá, estava conversando com eles e entendi que o vírus chegaria aqui e seria devastador. Então comecei a me preparar. Dividimos nossos esforços em dois: o que podemos fazer pelo negócio e o que podemos fazer pela humanidade. Ao mesmo tempo em que mudamos completamente o plano de negócio para este ano, nós iniciamos uma série de ações humanitárias. Por exemplo: fizemos uma série de lives com os principais gestores do Brasil e com elas levantamos 100 toneladas de alimentos para doação. Criamos o Covid Zero, um programa que liderei junto com o Marcelo Toledo, que foi VP de tecnologia no Nubank, que reúne cientistas do Brasil inteiro para construir ferramentas de consolidação de dados sobre o coronavírus.

EMPRESÁRIO DIGITAL –Você disse que não se adaptava com empregos formais porque não gosta de receber ordens. Hoje você é a pessoa que dá as ordens. Que tipo de profissional você gosta de ter na sua equipe?

TALLIS GOMES – Justamente o tipo de pessoa para quem eu não preciso dar ordens. Sou um cara que não enche o saco de ninguém. Eu odeio reunião. Falo uma vez por semana, durante meia hora, com os líderes. Eu tenho um framework que chamo de gestão libertária. Tento alinhar os objetivos pessoais da pessoa com aquilo que eu preciso para o negócio.

Eu desenho um mapa de incentivos e sei que o negócio vai funcionar se eu estiver contando com a pessoa certa. Onde gasto mais tempo é montando um time de liderança muito bom. Eu dou poder para os caras. Desenho as diretrizes estratégicas e vejo quais são as avenidas de crescimento. A minha função hoje em dia, basicamente, é só conversar com as pessoas e ver onde estão travando. Eu fico atendendo demanda: “me chama quando der merda”. Esse modelo de gestão é bem simples. Difícil é achar gente boa para ele rodar.

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Outubro 2024

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