Que futuro nós queremos?

Em 1900, a expectativa de vida dos brasileiros era de 33,7 anos, basicamente a mesma de 400 anos antes. Em 2019, essa expectativa de vida havia crescido para 76,6 anos. Isso foi consequência de inúmeras inovações, pesquisas e desenvolvimento na saúde – medicamentos, equipamentos e tratamentos – que permitiram que a expectativa de vida dos brasileiros mais do que dobrasse, desde o início do século passado.

Sem dúvida, temos muito a comemorar, mas nesse momento, também temos de zelar para manter as condições que permitiram que uma melhora tão significativa quanto a que aconteceu, continue avançando na mesma velocidade daqui para frente.

Recentemente, participei de uma discussão muito importante para o futuro do Brasil e dos brasileiros em um painel sobre propriedade intelectual e o futuro da inovação em saúde.

Os mais diversos profissionais da área da saúde trabalham duro para construir um futuro mais longevo e melhor para cada um de nós. Em particular, eles têm se dedicado como nunca, nos últimos anos, para cuidar de nós durante a pandemia – que, aliás, contou com o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde graças ao investimento constante nessas tecnologias.

Neste momento, as condições para que eles sigam a desempenhar o seu melhor trabalho estão em risco. Em breve, o Congresso deve analisar os vetos de Bolsonaro à Lei 14.200/2021, que afrouxa as regras de licenciamento compulsório de patentes de vacinas e medicamentos. Por muitas vezes, critiquei a gestão da crise da pandemia pelo governo federal. Neste caso, ele “acertou em cheio” no veto.

Como originalmente aprovado pelo Congresso, o PL12/2021 – que deu origem à lei – flexibilizaria excessivamente a regra de licenciamento compulsório de patentes – que já era prevista e regulamentada pela lei anterior, de 1996 – criando uma incerteza jurídica que reduziria significativamente a capacidade brasileira de atrair investimentos em inovação em saúde. Estes investimentos são fundamentais para gerar bons empregos e garantir que os melhores tratamentos de saúde, desenvolvidos globalmente, também cheguem, e de forma ágil, a todos nós brasileiros.

No setor farmacêutico, o desenvolvimento de um medicamento envolve um processo longo e alto investimento. De cada 10 mil moléculas pesquisadas, apenas uma se torna um medicamento comercializado. O período de exclusividade de patente permite, para as empresas que desenvolveram estas pesquisas, o financiamento de investimentos anteriores e ainda garantem investimentos em novas pesquisas, na busca contínua pela inovação e criação de outros medicamentos e vacinas. Sem confiança na proteção de suas patentes, as empresas farmacêuticas de pesquisa e inovação não desenvolverão nem patentearão muitos de seus medicamentos mais promissores por aqui, privando a nós, brasileiros, do que permitirá futuros ganhos de saúde e expectativa de vida.

Aliás, o Brasil, que é a 8ª maior economia do mundo, é apenas o 16º maior depositante de patentes. Em todo o mundo, há cerca de 10 milhões de patentes concedidas vigentes, 25% nos Estados Unidos, 20% no Japão, 15% na China, 10% na Coreia do Sul, 6% na Alemanha e 0,03% no Brasil. Temos uma demora exagerada no processo de aprovação de patentes que já priva os brasileiros de acesso a muitos medicamentos e tratamentos. Se o Brasil agilizasse seu processo de aprovação de patentes e todas as patentes pendentes de análise fossem concedidas, o Brasil subiria para a 9ª posição no ranking de países com mais patentes vigentes.

Uma eventual decisão de fragilizar o sistema de proteção industrial, flexibilizando o licenciamento compulsório de patentes se assemelharia, em muitos sentidos, à recente decisão do governo argentino de tabelar preços. Para quem não viveu o período hiperinflacionário e suas muitas malsucedidas tentativas de tabelar preços, a medida pode até parecer boa. Quem não gostaria que os preços magicamente parassem de subir? No entanto, como todos que já passaram por tabelamentos de preços sabem bem, na prática, tabelamentos de preços levam produtores que não se dispõem a vender seus produtos por preços que não lhes são interessantes, a retirarem os seus produtos do mercado. As prateleiras ficam vazias e os consumidores acabam sem a possibilidade de comprar os produtos que tiveram seus preços tabelados, acabando em uma situação ainda pior do que a que estavam antes dos preços serem congelados.

Algo parecido pode acontecer caso não sejam mantidos os vetos que tratam do licenciamento compulsório de patentes. Perderemos investimentos e acesso aos melhores medicamentos no médio e longo prazo, mas ao menos sairemos ganhando no curto prazo, com maior produção de outros medicamentos agora, certo? Infelizmente, não. Ao contrário do que sugerem alguns, o licenciamento compulsório previsto na Lei 14.200/2021 não aumentará o acesso dos brasileiros a vacinas contra a Covid. Nenhuma vacina contra a COVID-19 tem patente depositada no Brasil. Portanto, não há patentes a serem quebradas.

Em resumo, perderíamos nos médio e longo prazos, sem ganhar nada em troca no curto prazo. Em nome do futuro de todos os brasileiros, os congressistas, que nos representam, precisam manter os vetos ao projeto de lei e garantir, no futuro, os avanços para a saúde no país.

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Outubro 2024

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