CEO da HDI Seguros, Murilo Riedel deu início, em 2017, a uma transformação digital que levou a resultados históricos para a companhia. E, de quebra, antecipou uma sólida preparação para a calamidade econômica que viria com o coronavírus.
Imagine liderar uma seguradora cujo maior produto é o seguro de automóveis. Isso numa época em que os noticiários não cansam de expor as quedas de produção e vendas de carros, inclusive com a saída de marcas tradicionais do país (caso da Ford). Como se não bastasse, uma nuvem carregada deságua numa pandemia de vírus que faz com que trocar de carro se torne a menor das preocupações do brasileiro médio – ficar vivo e manter o padrão de vida são prioridades evidentes.
Pois nesse cenário que os americanos costumam chamar de perfect storm (“tempestade perfeita”, um acúmulo de contextos desfavoráveis), a HDI Seguros conseguiu, no último quadriênio, igualar o melhor desempenho dos quatro melhores anos da história da companhia no Brasil – conduzida pelo CEO Murilo Riedel, nosso entrevistado especial desta edição.
O segredo desse resultado aparentemente tão improvável para qualquer negócio nas atuais circunstâncias? Um investimento, desde 2017, numa transformação digital que proporcionou mais mobilidade e informalidade à companhia, tornando-a uma organização mais horizontal, colaborativa e preparada para a mudança.
Nesta entrevista exclusiva, Riedel conta como essa revolução interna levou a centenas de milhões de reais em ganhos operacionais, além de refletir sobre o perfil do gestor moderno e as perdas intelectuais que o “novo normal” do trabalho à distância pode trazer às organizações.
EMPRESÁRIO DIGITAL – Após cursar Administração na USP, você fez uma especialização em estatística aplicada e ascendeu na carreira, dentro do mercado de seguros, sempre ocupando cargos ligados a áreas técnicas. Como esse seu lado técnico ajuda na gestão de uma grande seguradora?
MURILO RIEDEL – De fato, trabalhei muito mais como matemático que como administrador. Sou um fã incondicional da matemática. Ela desempata tanto decisões simples quanto as mais complexas. Numa época em que não havia tanta matemática na área de seguros, no início dos anos 1990, eu trabalhava na Allianz, que era AGF na época, e tínhamos um grande projeto de usar a matéria-prima riquíssima desse setor – pois a gente trabalha com probabilidades, com risco – e dar a ela um tratamento mais consistente. Fomos pioneiros no Brasil em trazer a análise de probabilidades à tomada de decisão, à definição de preço e produto. Começamos, inclusive, a fazer clusterização de clientes, para entender correlações de comportamentos. Ainda que o ser humano seja único, o comportamento das massas segue padrões e é previsível. E o seguro é isso: selecionar riscos e preços justamente correlacionando comportamento com padrões estatísticos. A matemática ainda traz predicados muito importantes para qualquer gestor, como equilíbrio, clareza e neutralidade.
ED – O perfil do gestor de seguradora tem mudado?
MURILO RIEDEL – A postura personalista de uma gestão mais old-school não tem mais lugar no mercado. Hoje você precisa oferecer uma administração muito participativa, baseada em práticas ambientais e sociais. Precisa trabalhar visando aos interesses da coletividade, dos seus investidores. Eu, como indivíduo, na gestão da seguradora, não existo. O que existe são os interesses de nossos clientes e acionistas. Mas, se você tirasse uma fotografia do nosso setor dez anos atrás, seria muito diferente: veria companhias lideradas por figuras de personalidades mais autocentradas.
ED – Outra vantagem dessa mudança é que, com a velocidade das transformações hoje, se um CEO muito personalista deixa a empresa, a organização toda precisa se adaptar muito rapidamente à personalidade diferente de um novo CEO, não é?
MURILO RIEDEL – Exatamente. E a companhia não quer mais sofrer com isso. Nem o cliente. Isso é uma mudança importante de mentalidade para a qual o C-Level tem de estar preparado. Somos meros representantes dos interesses coletivos da sociedade, dos nossos clientes e acionistas. O maior legado que a gente pode deixar como gestor é, quando chegar o momento de sair, a empresa ter plenas condições de continuar com uma performance igual ou melhor.
ED – E a alta gestão tem se preparado para esse desapego do próprio ego?
MURILO RIEDEL – Acho que precisamos nos preparar emocionalmente para ter esse equilíbrio, que inclusive é algo que pode ser construído. Na minha opinião, um processo terapêutico é muito importante para o executivo. Eu preciso aprender a dividir o Murilo pessoa física – pai de família, a pessoa que sou em casa – do Murilo gestor, que deve ser neutro, sem impor suas preferências individuais. É algo que precisa ser trabalhado na cabeça dos gestores, porque somos seres complexos, humanos… O gestor precisa se instrumentalizar para fazer essa divisão. Sou um facilitador, um gestor de recursos para otimizar os interesses que cercam a empresa. Essa definição é o que mais deve importar para o gestor moderno.
ED – A HDI sempre se destacou pelo seguro de automóvel. Com o cenário de queda nas vendas e novas tendências da mobilidade, como fica a situação de vocês?
MURILO RIEDEL – Realmente, a HDI construiu um business extremamente bem-sucedido num momento em que o Brasil teve um aumento incrível no mercado doméstico de automóveis. Quando a gente começou a desenhar a seguradora de carros, o Brasil vendia 1,5 milhão de veículos no mercado doméstico – isso em 2002. Para se ter uma ideia do que aconteceu no Brasil, em 2012, após os dois mandatos do governo Lula, nós passamos a vender quase 4 milhões de veículos. A HDI, portanto, foi totalmente pensada dentro dessa realidade de um mercado que crescia em ritmo chinês. Quando houve a crise do governo Dilma, tivemos uma aceleração de questões que a gente sabia que viriam, como a queda dessa venda. Desde antes, já sabíamos que havia um espaço de crescimento e que ele não era infinito. Então isso já fazia parte da nossa pauta. Em 2013, na primeira grande crise, retrocedemos para os padrões de vendas de dez anos para trás. Mas imaginamos, na época, que teríamos uma recuperação e que voltaríamos ao padrão de 4 milhões de veículos. Até que tivéssemos outra queda natural. Mas não foi assim.
ED – E como você vê, no papel de líder, essa nova realidade?
MURILO RIEDEL – Acho que a falta do face to face traz um prejuízo, ainda estamos lidando com a perda de eficiência que vem da falta das relações humanas. Eu sou um cara que gosta do ambiente de trabalho. Como eu seria feliz fora do escritório? O próprio ambiente colaborativo previsto no Go Digital deixou de ser usado. Então teve todo um trabalho meu de aceitar que as coisas não voltarão tão cedo. Agora meu maior desafio não é com KPIs ou performance, mas como conseguir manter o nível intelectual de criação e discussão que era obtido cara a cara, essa riqueza humana que existe no nosso negócio. Haverá uma perda. A gente só não percebeu ainda porque é tudo muito novo. E tem também a questão do próprio papel de liderança: a minha presença física era algo percebido e que fazia diferença. E eu perdi essa ferramenta. Como estar presente na vida das pessoas? O preço disso ainda não veio, costuma aparecer no médio prazo. Mas virá.