CEO da Editora Gente, Rosely Boschini levou para a carreira os valores da sua mãe, que tratava livros como portais de evolução pessoal e profissional. É assim que lidera, hoje, um negócio que enfileira best-sellers e que está crescendo em plena pandemia – mesmo em um país que lê pouco.
Rosely Boschini tem uma história de ligação com os livros que daria um filme – uma paixão que começou na infância e, se mistura com o amor materno, em circunstâncias extraordinárias, e que se manteve por toda a vida.
Sua mãe não era uma pessoa letrada, mas tinha uma certeza: seus quatro filhos teriam uma existência plena de oportunidades graças à educação. “Mesmo sem saber ler, ela comprava coleções para a gente. Todo mês tinha um dinheirinho para livros. O primeiro que eu ganhei, com 11 anos de idade, era do Fernando Pessoa. Eu não entendi coisa nenhuma. Mas ela também deu para a gente as obras do Monteiro Lobato, as do Júlio Verne… Eram livrinhos que aguçavam a nossa imaginação.” Como a mãe não sabia ler, ela pedia aos filhos que lhe contassem as histórias que descobriam nos livros, invertendo o padrão de crianças que sonham com os enredos contados por seus pais. Sem perceber a extensão do seu gesto, ela estava plantando, na cabeça da filha, a semente de uma carreira na área de livros – movida pelo afeto.
Uma trajetória certeira que levou Rosely à presidência da Editora Gente, especializada em obras sobre carreira, empreendedorismo e negócios. Uma fábrica de best-sellers – e um dos raros cases de sucesso no setor, durante a pandemia. Em 2020, o faturamento da empresa cresceu 20%. Nas vendas de e-books então, o crescimento, no mesmo período, foi de 78%. Um sucesso cuja fórmula também passa pela história de vida da executiva.
“Durante a Ditadura Militar, morávamos em Santos, e tínhamos um vizinho que trabalhava em uma refinaria. Um dia ele foi preso e os comentários eram de que aquilo aconteceu, porque ele tinha muitos livros que poderiam ser considerados subversivos. Foi um choque e minha mãe teve a atitude de queimar todos os nossos livros para a nossa segurança. Depois, ela acabaria reconstruindo toda a nossa pequena estante. Talvez por causa disso, nossa família acabou valorizando muito o livro.”
Tratar a obra de cada autor como um objeto precioso, de um valor transcendente, é a alma da operação da Editora Gente. Um método que tem colocado seus títulos no topo da maioria das listas de best-sellers do mercado editorial.
É sobre esse caso de amor com os livros, que virou uma das carreiras mais bem-sucedidas desse segmento, que você vai ler nesta entrevista exclusiva de Rosely Boschini para a nossa reportagem.
EMPRESÁRIO DIGITAL – Como funciona junto ao público o apelo desse tipo de livro de autoajuda no setor de negócios e carreira?
ROSELY BOSCHINI – Nós fomos precursores do segmento de autoajuda dentro do mercado editorial brasileiro e sabemos que o livro tem três desafios: o primeiro é o ser comprado – e nisso uma boa capa é fundamental e ajuda muito. Eu gosto de ver as capas da Editora Gente quando eu piso na livraria: são capas de muito contraste, que pulam no colo do consumidor, têm títulos chamativos… O segundo desafio é ser lido. Para isso, fazemos um roteiro para cada livro, lembrando que as pessoas cada vez mais precisam de velocidade, de ritmo. O texto todo tem que levar a pessoa a ler até a última página. Hoje sabemos que isso é um desafio, porque falta concentração, mas o pessoal também abandona a leitura porque muito livro é chato mesmo. Ou porque não era o que ele procurava. Já quando o autor consegue levar o leitor com prazer até o fim do livro, ele vence o terceiro desafio, que é ser indicado. Todo livro que bate fundo na gente, acabamos comprando outro exemplar para dar de presente. Nossos livros dão certo porque trabalhamos neles para que o leitor tenha a melhor experiência. Nossas obras são profundas, mas gostosas de ler.
ED – A parte de fazer o roteiro deve ser ainda mais importante para vocês, já que a Editora Gente costuma trabalhar com autores que não eram escritores antes. Geralmente é um executivo bem-sucedido, um empreendedor, um pensador da área de negócios. Muitas pessoas que nunca tinham escrito na vida.
ROSELY BOSCHINI – Nós adoramos autor que venha sem livro prévio. Isso já é uma característica da editora. Porque eu preciso do livro certo dele, que efetivamente o coloque em um posicionamento único e que levará esse profissional para onde ele deseja. Porque aí o autor não abandona o livro no meio. Outra coisa importante é ele compartilhar todo o seu conhecimento, tudo que ele acha importante para a experiência do leitor.
ED – Você tem um faro incrível para encontrar autores best-sellers. Que diferenciais uma editora como a sua, com esse direcionamento para negócios, precisa ter para identificar autores e temas que vão vender bem?
ROSELY BOSCHINI – Acho que qualquer pessoa pode ter um best-seller. Hoje eu falei sobre isso em uma reunião com meus autores, porque eu quero criar uma grande comunidade de escritores. Acho que eles podem se ajudar. Penso que qualquer profissional que tenha um valor ou um propósito nobre, tem um livro. Nós temos um modelo. Nosso editorial trabalha muito a essência do autor. E é por isso que lanço, em média, só 30 a 40 livros por ano. Lembre que um grupo editorial, como a Sextante, pode estar na marca dos seus 30 livros por mês. A Record tem 17 editoras lá dentro. A Companhia das Letras também tem um monte de selos internamente. Nós não temos o volume de lançamentos que eles têm, porque selecionamos muito quem pode ser um autor nosso. Passar pela nossa peneira não é fácil. Recebemos mais ou menos 800 livros por mês. E damos atenção a todos. Eu sempre falo para a minha equipe: não podemos ser o empresário que perdeu os Beatles.
ED – Tem algo extraordinário que é, com poucos lançamentos, vocês terem muitos best-sellers.
ROSELY BOSCHINI – No ano passado, fomos a segunda editora que colocou mais livros entre os mais vendidos da lista geral. Se você pegar a PublishNews, nós estamos em primeiro ligar na relação geral, primeiro na de autoajuda e estamos há cinco anos consecutivos no topo da lista de negócios. Isso porque a Gente faz livros que realmente mostram a essência dos autores e os conectam com o leitor. Esse é o nosso segredo. A nossa missão é identificar se o propósito desse autor tem impacto. Quando eu ponho os autores para falar com a minha equipe, eu aviso que vender livro não é a função deles; vender livro é conosco. Eles têm que vender o que fazem e para quem eles fazem, e por quê. Você tem um porquê? Você levanta da cama todo dia por causa desse porquê? Quando encontramos um autor assim, nossa equipe trabalha com todo amor e determinação.
ED – Não basta ser um fenômeno dos negócios ou do empreendedorismo para render um bom livro, certo? É preciso ter uma boa história, um propósito…
ROSELY BOSCHINI – A Gente trabalha com o conhecimento puro do autor, tudo o que ele fez de forma proativa. Trabalhamos com a paixão dele, o que seu olhar tem de mais incrível. Mas também temos um componente que aguçamos dentro do autor, que é a indignação. É isso que o torna único. Qual é a minha indignação? Autor que escreve livro só por escrever. Porque o leitor não merece, ele pega um, dois, três livros ruins… e começa a se perguntar se é um mau leitor, se não tem sorte, e acaba se desinteressando.
ED – Como os livros da Editora Gente acabam trazendo vantagens de negócios para autores como Alfredo Soares, Paulo Vieira, Joel Jota e Maurício Benvenutti, entre outros?
ROSELY BOSCHINI – A publicação de um livro sempre deveria trazer outros negócios, é o que a gente fala de monetizar por meio do livro. Acho que um imperativo é que o autor fale. Ele precisa defender a sua obra e, principalmente, ser uma pessoa inspiradora, fazer muitas palestras sobre aquele assunto. Porque queremos que ele seja referência. Sabe quando as pessoas falam de posicionamento único? Não importa a plataforma onde os clientes dele estejam, o autor precisa cobrir a maioria, tem de fazer palestra, mentoria, imersão, infoproduto… precisa abastecer os seus seguidores.
ED – O que a pandemia mudou para vocês?
ROSELY BOSCHINI – Dia 16 de março, todo mundo da editora foi trabalhar em home office. Foi a decisão mais fácil que eu tive, só que no dia seguinte não sabíamos como trabalhar, porque tinha que conectar todo mundo. Mas o negócio mudou de forma drástica, e para melhor, no meu ponto de vista. As empresas se reinventaram. Aquelas que não sabiam o WhatsApp do seu cliente tiveram problemas. E os autores têm de escrever muito para poder cobrir toda a nova forma de vida que está existindo. Vejo que os empresários que se superaram nesse momento estão compartilhando novos conteúdos. Então há muitos assuntos fervilhando, tanto na esfera dos negócios quanto dos relacionamentos.
ROSELY BOSCHINI – No ano passado, nós crescemos. E olhe que perdemos um mês inteirinho, quando o faturamento foi só de R$ 50 mil. Nós temos de ser responsáveis pelos nossos negócios, não podemos achar que a responsabilidade é do outro. Quando as livrarias fecharam por causa da pandemia, tivemos que reinventar a nossa atividade. Hoje nós temos uma área dentro da editora chamada Hub Gente. Começamos a implementar uma série de iniciativas digitais. Por exemplo: fazer autógrafo de um determinado autor dentro do Instagram. O autor autografava e chamava a pessoa para entrar na live. Aí falava, tirava foto. Um dos nossos autores, Maurício Benvenutti, vendeu, em um dia, 600 livros. Fizemos pré-venda em evento online de autor. Aí tivemos que dar um jeito de entregar, porque foram 22 mil livros. Ou seja, precisamos reinventar e sair daquela coisa confortável de se apegar só ao que já se fazia, porque agindo assim perderíamos oportunidades.
ED – Você se envolveu pessoalmente, correto?
ROSELY BOSCHINI – Sim, eu mesma comecei a fazer live adoidado, fiz umas 300. Em algumas ocasiões, três vezes por dia e com a mais nobre das intenções. Fiz todas essas lives para apresentar a voz dos meus autores, o conhecimento deles. Para ajudar em diversos temas. Fizemos lives sobre crianças dentro de casa, sobre negócios, trouxemos muitos autores famosos, lendo, maravilhosos, podendo dar a sua contribuição para aquele momento crítico pelo qual as pessoas estavam passando. E a Editora Gente também fez a sua contribuição: e-book a R$ 1,99 na Amazon, porque ao ajudar, a Gente é lembrada, e as pessoas retribuem. Ficamos sem lançamentos entre abril e junho. Depois retomamos aos pouquinhos e foi lindo. Em agosto, colocamos de pé essa iniciativa de marketing digital dentro da editora. E não vamos parar nisso, não. Percebemos coisas extraordinárias dentro desse universo de pessoas que compram livros da Editora Gente. As lives e pré-vendas nos tornaram mais próximos desses leitores, conhecemos de perto, vimos a gratidão que eles têm por nós, os lugares distantes onde a Gente vende livro e não sabia. Ficamos interagindo com nossos leitores o tempo todo e foi uma delícia.
ED – Uma Pesquisa do Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro apontou um crescimento no faturamento das editoras com e-books de 43% de 2019 para 2020. Como você vê essa tendência no Brasil?
ROSELY BOSCHINI – A Editora Gente já lança, há bastante tempo, os dois formatos juntos: o livro físico e o digital. Tem sido impressionante esse crescimento no setor dos e-books. Acho que é uma realidade, porque as pessoas estão aprendendo a ler nos tablets. E que bom! Talvez isso signifique novas gerações lendo. Eu gosto do tablet principalmente na hora de dormir, porque não atrapalha o outro [você pode deixar a luz do quarto apagada, já que a tela do tablet tem luz própria] e em avião.
ED – Como as condições financeiras complicadas de redes como a Saraiva e a Cultura impactam no negócio da editora?
ROSELY BOSCHINI – É aquilo que eu falei: acho que todos temos que ser responsáveis pelos nossos negócios, independente do que aconteça lá fora. Nós não tínhamos muitos livros dentro da Cultura, mas é uma pena porque é uma livraria exemplar, uma experiência única e com um pessoal bem treinado. É uma catástrofe porque podemos perder duas redes de referência, mas em compensação, acabamos lembrando que existem as livrarias pequenas, que entendem efetivamente das preferências dos clientes e que talvez não precisem daquele arsenal todo de livros – elas se concentram em ter os livros que os clientes precisam. Até houve uma coisa muito bonita de os editores se juntarem para poder ajudar a Saraiva, só que teve uma hora em que vimos que não era mais possível.
ED – Está otimista com 2021?
ROSELY BOSCHINI – Todo começo de ano nós voltamos das férias coletivas e chego cheia de ideias. E então falo para minha equipe: “lembram que no ano passado vocês trabalharam como uns doidos varridos? Este ano vai ser mais”. Eu tenho um bando de doidos que acreditam nas minhas ideias. Eu falo: “amanhã tragam uma fotografia de alguém por quem vocês fariam na mesa de vocês, porque é por ela que vocês vão trabalhar tanto. Para colocar essa pessoa numa faculdade ou conseguir outras coisas que melhorem a vida dessa pessoa da foto. Porque eu vou precisar que vocês trabalhem demais, gente…”. Eles mal acreditaram quando falei isso. Mas todo mundo apareceu com uma fotografia bonita no dia seguinte. No final das contas, a editora deu um salto, graças à dedicação dessa equipe de loucos.