CEO da Michael Page no Brasil, maior referência no recrutamento de executivos, Ricardo Basaglia faz uma análise reveladora do mercado de trabalho no país, fala de perspectivas das profissões neste ano e das relações nas empresas.
Talvez ele nem perceba isso, mas Ricardo Basaglia é uma das pessoas mais importantes do país. Isso porque lidera um negócio que tem influência vital nos caminhos da carreira dos grandes executivos que fazem a diferença nas empresas brasileiras. A grande referência no recrutamento de altos executivos, com presença em mais de 30 países, a Michael Page, de onde Ricardo é CEO, determina quem vai ocupar as melhores posições das melhores companhias. E não é só isso.
Contando com 200 headhunters e entrevistando cerca de 6 mil executivos por mês, a sua empresa obtém um mapa de perfis profissionais, e uma perspectiva privilegiada, do mercado de trabalho brasileiro.
Embaixador de empresas como a Reserva e a Nespresso, Ricardo Basaglia compartilha nas próximas páginas um pouco dessa visão do topo, nos dando uma noção muito reveladora sobre os caminhos das profissões e dessa delicada interação entre empregado e empregador.
EMPRESÁRIO DIGITAL Para os nossos leitores que ainda não conhecem você, dê um resumo do que foi a sua carreira até atingir o topo da grande referência em recrutamento de executivos.
RICARDO BASAGLIA Um lado curioso é que, apesar de hoje eu ser bastante conhecido por falar de carreira e liderança, talvez eu seja um exemplo de alguém que não soube planejar a carreira. Para se ter uma ideia, sou formado em tecnologia. Até os meus vinte e poucos anos, tinha convicção de que seria um programador. Como era extremamente tímido, meu sonho era trabalhar dentro de um data center falando com o menor número de pessoas. Acabei me desenvolvendo nessa área, mas algo me dizia que esse não era o meu caminho, me faltava alguma coisa. Com isso, eu trabalhei, ainda dos 23 aos 26, na área de tecnologia, só que na área de vendas. Então ali eu comecei a me expor um pouco mais, me provocar um pouco mais. E aí, aos 26 anos, eu tive o convite para fazer parte do time da Michael Page, que na época ainda tinha pouco tempo no Brasil, em um modelo de recrutamento especializado, com engenheiros recrutando engenheiros, advogados recrutando advogados.
Por isso, há 15 anos, eu entrei aqui na Page para recrutar profissionais de tecnologia.
EMPRESÁRIO DIGITAL O que mais chamou a sua atenção na empresa?
RICARDO BASAGLIA Algo que me fascinou aqui dentro foi um modelo em que mais de 80% dos diretores começaram em posições de base. Ou seja, é uma empresa que efetivamente aposta no crescimento das pessoas. Tanto que, nestes últimos 15 anos, acabei me desenvolvendo até atingir a posição de liderança. E aí eu fui descobrir o que realmente me motivava. Cada entrevista de recrutamento é uma oportunidade de você ler uma minibiografia de alguém. Então, estimo que eu tenha falado com um pouco mais de 10 mil pessoas, entre entrevistas, cafés e reuniões. A habilidade que você desenvolve de aprender com os erros e acertos das pessoas é algo que me encanta.
EMPRESÁRIO DIGITAL A taxa de desemprego no Brasil está em um patamar absurdo de 12,6%. E a Michael Page opera em mais de 30 países. O que muda para vocês quando se trata de operar em um país que tem pleno emprego e em outro com tantos desempregados como o nosso?
RICARDO BASAGLIA É importante a gente analisar esses dados com maior profundidade, porque esse número é ainda mais assustador. Falamos hoje de aproximadamente 13 milhões de desempregados no Brasil, só que deveríamos adicionar mais 6 milhões de pessoas que decidiram parar de procurar emprego porque estão desanimadas com o mercado e deixam de entrar nessa conta. E tem mais: dá para adicionar um pouco mais de 30 milhões de pessoas que estão trabalhando abaixo da sua capacidade, gente que trabalha menos horas do que poderia ou em algo abaixo do que tem de formação ou experiência.
EMPRESÁRIO DIGITAL As mudanças na legislação trabalhista têm influência nesse quadro?
RICARDO BASAGLIA Eu não tenho a menor dúvida de que, quando falamos sobre legislação trabalhista, é algo importante, principalmente para pessoas de baixa qualificação que precisam de proteção. Só que eu costumo dizer, para sindicatos e governos, que não adianta proteger o emprego. Você tem que proteger o empregado. E o empregado você protege com educação, desenvolvimento… um desenvolvedor Java sênior que tem inglês fluente não está preocupado se tem uma legislação que a protege; pelo contrário, são as empresas que querem se proteger porque não conseguem contratar ou
não conseguem reter. E aí podemos explorar a importância da formação técnica, que, infelizmente, acabou ficando de lado aqui no Brasil. Países como a Alemanha investem fortemente no ensino técnico, no quanto você pode acelerar a entrada desses profissionais no mercado de trabalho.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você mencionou a lei trabalhista, que muito se falava sobre empresas e empregados poderem negociar livremente os seus acordos. Mas, na prática, em muitas áreas, eu tenho visto empregadores dizendo a suas equipes que precisam reduzir o salário em 50%, talvez por causa da pandemia. E, do outro lado, qual o poder de negociação desse profissional? É dizer sim ou ficar desempregado?
RICARDO BASAGLIA O mercado de trabalho é um organismo vivo que reflete as transformações da sociedade. Quando olhamos para o mercado de profissionais, é uma lei da oferta e da demanda. Em muitas profissões você tem um número pequeno de oportunidades, comparado com a quantidade de profissionais formados e com experiência. Então, quando a força vai muito para o lado só de quem pode oferecer o emprego, você tem um desbalanço. Na área de tecnologia acontece justamente o oposto: faltam profissionais e os salários não param de subir. Já na área de Direito, o último número a que eu tive acesso falava de 1 milhão e 300 mil advogados no Brasil. A maior parte deles, principalmente os recém-formados, tem uma dificuldade muito grande de atingir o seu sonho profissional.
EMPRESÁRIO DIGITAL Falando sobre o trabalho de vocês, no Brasil o recrutamento tem particularidades que não existem em outros países? Algo que só acontece aqui?
RICARDO BASAGLIA O recrutamento evoluiu muito nos últimos dez anos. Se ampliarmos para 15 ou 20 anos, era um mundo extremamente técnico. Basicamente você contratava a pessoa olhando as empresas pelas quais essa pessoa passou, a formação que essa pessoa tinha, e era suficiente para a avaliação. À medida que vamos conhecendo mais sobre performance, o que faz uma pessoa ter sucesso na empresa, o recrutamento começa a se tornar mais sofisticado. Com isso, passamos de uma entrevista que antes era puramente técnica para uma entrevista de competências, que envolve propósito, alinhamento de valores… Tão importante quanto você avaliar a capacidade que a pessoa tem para fazer algo é a motivação desse indivíduo. O quanto a oferta está alinhada com o que ele quer. E isso, para mim, é um dos maiores fatores de sucesso.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como você identifica essa motivação?
RICARDO BASAGLIA A motivação vem por meio de dois elementos apenas, porque ninguém motiva ninguém a nada, no máximo você desperta o que alguém tem dentro de si. A motivação vem por necessidade ou por paixão. O problema é que a necessidade uma hora vai embora e a paixão tende a crescer. E esses elementos são fundamentais para olharmos a história do recrutamento, que não é só um desafio no mercado de trabalho; no mundo dos esportes, isso também fica muito claro. Tom Brady, maior campeão da liga de futebol americano, pouca gente sabe, mas no draft, que é a peneira para entrar no profissional, ficou em número 199. Por muito pouco, o maior campeão da história não teria passado.
Então será que estamos olhando para o que mais importa?
EMPRESÁRIO DIGITAL Isso é diferente dependendo da cultura do país?
RICARDO BASAGLIA Quando olhamos para o Brasil, um país latino, no qual as relações importam muito, notamos que a questão de você efetivamente ter alguém com quem goste de trabalhar, com quem tem uma dinâmica de comunicação importante, tem uma influência maior do que em outros países. No Japão, por muito tempo, empresas tradicionais analisaram a personalidade do profissional pelo tipo sanguíneo. Na Índia, até hoje, você tem muita influência de recrutamento em setores tradicionais pela casta. Ao trabalhar com recrutamento, é fundamental que você entenda a questão cultural do país e depois a da empresa, para buscar alguém que possa entrar sendo quem ele é na sua essência.
EMPRESÁRIO DIGITAL Quais as principais perspectivas para o mercado de trabalho em 2022?
RICARDO BASAGLIA Algumas áreas continuam extremamente demandadas, como tecnologia, serviços digitais de maneira geral e áreas que refletem o PIB do Brasil, como agronegócio e o setor de saúde. Hoje, todas as posições que tenham um impacto na transformação do negócio das empresas são áreas que estarão extremamente demandadas. E também áreas com um impacto direto em como a empresa pode ser mais eficiente, não necessariamente só pela redução de custos. Essa é inclusive a dica que eu deixo para todos os profissionais: pergunte quais são os gargalos da sua empresa. Quais as suas prioridades? Os principais projetos? O quanto o seu dia a dia está ajudando a mexer o ponteiro desses pilares? Quanto mais distante você estiver, menos você estará no radar da alta liderança e, consequentemente, talvez não esteja no radar para promoções, aumentos, oportunidades e projetos.
EMPRESÁRIO DIGITAL Qual a importância da diversidade na empresa?
RICARDO BASAGLIA Esse tema evoluiu bastante, mas eu ainda acredito que é um tema incompleto quando se trata de performance. A maior parte das empresas, quando fala de diversidade, aborda dois elementos que eu acho extremamente importantes. O primeiro: quanto maior a diversidade de ideias, de pessoas que viveram situações diferentes, maior a capacidade de chegar a soluções mais criativas. O segundo pilar é que a sociedade cobra, cada vez mais, que a empresa tenha, em seu quadro de funcionários, uma representação da sociedade. Além disso, toda empresa em que falta diversidade acaba caindo em estereótipos: então, nessa empresa, para você crescer, precisa se vestir de tal forma, ser formado em tal faculdade ou falar de tal maneira. E o que acontece? As pessoas começam a investir tempo para se adaptar ao estereótipo, quando esse tempo deveria ser investido em “vai se desenvolver”, “vai entregar resultado”.
EMPRESÁRIO DIGITAL Hoje, com as incertezas da pandemia, se continuará por muito tempo, se as empresas ficarão em modelo híbrido, se em home office, se presencial… como você vê os pontos positivos e negativos de cada modelo?
RICARDO BASAGLIA Quando olhamos os escritórios nas décadas de 1960, 1970, qual era o formato? Praticamente todos os funcionários trabalhavam dentro de uma sala ou em um biombo. Era fechado ali, você trabalhava isolado. A administração moderna nos mostrou que, quebrando as salas e tirando os biombos, no open space, somos muito mais produtivos porque troca muito mais. E se não tomarmos cuidado para fazer essa análise, não perceberemos que, quando veio a pandemia, o que aconteceu é que voltamos a trabalhar isolados. O Steve Jobs, na época da Apple, queria uma sede gigantesca, com milhares de funcionários trabalhando lá, mas que só tivesse um local de banheiro.
Por que ele queria aquilo? Porque as pessoas teriam que andar pela empresa, se esbarrar e trocar mais. Eu não acredito que existem empresas ou áreas que são mais produtivas no presencial ou no virtual. O que eu acredito é que, como seres humanos, temos algumas atividades em que somos mais produtivos no presencial e outras em que somos no virtual. Então, em tudo que envolve colaboração, treinamento, feedback, criação, podemos produzir mais presencialmente. Mas existem atividades que exigem concentração, longas horas de trabalho na mesma atividade. E aí a tendência é que a pessoa seja mais produtiva em casa. Particularmente eu acredito que a gestão se torna mais complexa, porque o líder, mais do que dizer o que cada um deveria fazer, começa a ter agora uma reflexão de como organizar o trabalho das pessoas, em que momentos fará sentido que elas estejam juntas presencialmente.
EMPRESÁRIO DIGITAL Como é o desafio de um líder que precisa equilibrar a empatia com esse profissional que tem todos esses desafios de home office, com filho em casa, quebra de rotina, com a cobrança de performance?
RICARDO BASAGLIA Tem algo que me marcou: durante a pandemia, eu tive a oportunidade de ter um café virtual com a Michelle Obama, um encontro com CEOs, e aí ela falou assim: os líderes têm que entender que, quando o funcionário está com algum problema, ele não espera que o líder resolva, ele só espera que você lembre que ele é um ser humano e ele tem problemas.
E isso traz uma reflexão fundamental de como podemos lidar de uma melhor forma, de um lado mais humano… É claro que as empresas estão pressionadas, o resultado precisa ser entregue. Só que não adianta focarmos no resultado; temos que focar no que dá resultado. E isso não é apenas um jogo de palavras, é efetivamente lembrar que cada ser humano é único na sua essência, e podemos extrair o melhor de cada um.
EMPRESÁRIO DIGITAL Você falou de empatia. Quando os executivos estão logo abaixo dos gestores, que habilidades comportamentais precisaram ser desenvolvidas agora neste contexto de pandemia?
RICARDO BASAGLIA Isso é algo que eu abordei em um capítulo do meu livro, que são os quatro As que um executivo precisa para ter sucesso: autoconhecimento, atitude, adaptabilidade e saber lidar com a ambiguidade. Primeiro é o autoconhecimento. Se você não se conhece, você não sabe onde você pode entregar mais, onde precisa de ajuda, mas principalmente o que te motiva, o que você quer, o que faz você ter energia para acordar todos os dias. O segundo é atitude: não dá mais para ter alguém que espera as coisas chegarem até ele. É preciso ter alguém que vai atrás, que quer resolver, que tem essa fome. Depois a adaptabilidade: o que acontece em um mundo que muda tão rápido é que somos contratados nas empresas para uma foto: uma determinada entrega, aquelas responsabilidades… Mas, às vezes, esquecemos que essa foto muda muito rápido. E não saber lidar com a ambiguidade talvez seja o principal fator pelo qual as pessoas deixam de crescer na empresa. Quando você começa a sua carreira, está na base da pirâmide, não tem muita ambiguidade.
Existe um processo muito claro que você tem que seguir e nem é esperado que seja muito criativo: faz o que está ali desenhado. À medida que você cresce, cada vez menos tem respostas do tipo certo ou errado. O questionamento passa a ser: mas deveriamos entregar mais faturamento ou mais lucratividade? Tem que entregar os dois. Eu tenho que mandar essa pessoa embora ou darei mais uma chance? Depende de cada situação, e essas pessoas muitas vezes ficam esperando dos seus líderes respostas para as quais não existe essa clareza.
EMPRESÁRIO DIGITAL Antigamente, o departamento de RH tinha uma função de suporte, e hoje tem uma função estratégica, muito relacionada com tecnologia. Como você analisa essa mudança?
RICARDO BASAGLIA Quando falamos sobre o futuro da área de RH, uma comparação que eu gosto de fazer é com a área de TI. Se pensarmos, há 15 anos, existia lá o CPD, o atual data center, onde toda a tecnologia ficava a cargo somente desse departamento. Hoje a área de tecnologia permeia todos os setores. Não tem mais um setor que não tenha ali discussões de tecnologia, qual sistema utilizar, como vai utilizar. É a área na qual você define os padrões, a estratégia, para onde caminha a tecnologia. O mesmo eu vejo para a área de RH. Antigamente era só a área que contratava, que demitia, eventualmente até a que dava feedback porque havia a moça de RH que tinha mais jeito com as pessoas. Hoje não tem mais espaço para isso.Todo líder tem um papel muito claro, não importa qual seja a área, de envolvimento com contratação, demissão, avaliação de performance, desenvolvimento, muitas vezes treinamento também, e o RH fica com uma função muito mais estratégica. Vai pensar: qual é a cultura? Qual é o guia que damos para esses líderes? Como que desenvolvemos essa liderança? Como que cuidamos da agenda de transformação? Como que faz o onboarding, que é a integração dos novos profissionais?
EMPRESÁRIO DIGITAL Como você vê a Michael Page no Brasil no curto e médio prazo?
RICARDO BASAGLIA A Michael Page tem pouco mais de 20 anos aqui no Brasil, e quando chegou praticamente não existia esse mercado de recrutamento. Então, quando vimos aquele green field, foi uma oportunidade para conquistar o espaço. Por isso temos a liderança não só no Brasil, mas na América Latina, onde temos uma oferta de serviços que vai desde o recrutamento, que começa com analista, até um CEO, um diretor e uma posição de conselho… Temos muita informação para entender a história de cada candidato, o que cada um tem de experiência, de competência, e, principalmente, o que essas pessoas estão buscando, para que esses dados também tenham uma função estratégica com os nossos clientes. Vejo a Michael Page nesse futuro próximo com essa postura muito mais consultiva, de entender o problema dos nossos clientes, o que eles precisam entregar e, a partir daí, desenhar as competências, as experiências, até chegar ao melhor profissional.
Eu brinco com os clientes que não temos uma fábrica de candidatos, mas sim o mapeamento mais completo que existe no mercado, para pinçar a pessoa mais adequada para cada desafio.
As quatro principais marcas do PageGroup são:
Page Executive
É a divisão responsável pela busca, seleção e gestão de talentos seniores. O foco é atrair e reter cargos de liderança e diretores de médio e alto escalão.
Michael Page
Foi a primeira marca do grupo e é composta por 25 áreas distintas, como finanças, marketing e setor imobiliário, entre outras. Com prestação de serviço especializada em cada uma delas, oferece recrutamento de profissionais no nível gerencial qualificado, com contratações permanentes.
Page Personnel
Especializada no recrutamento de funcionários técnicos e administrativos de nível de gestão júnior, independentemente do tipo de contratação que a empresa necessite, temporária ou fixa.
Page Outsourcing
Uma solução de terceirização de recrutamento que permite que os clientes se concentrem no negócio principal, enquanto a Pagegroup recruta profissionais de todos os níveis do mercado. Oferece recrutamento flexível para contratação de grande quantidade de profissionais ou para especialistas em projetos específicos.
Page Interim
Totalmente focada em projetos temporários, essa unidade de negócios se dedica ao recrutamento de terceirizados e temporários. O Interim Management é uma opção flexível para que as empresas tenham os melhores talentos temporários à sua disposição. Uma alternativa eficaz para a gestão e administração através de terceirização de cargos ou contratos temporários.