Se você tem qualquer contato com o mundo financeiro, seja lendo notícias ou trabalhando na área, as chances são altas de você já ter se deparado com o EBITDA. Desde os anos 80, com a popularização dos processos de fusão e aquisição, o uso e importância atribuída ao indicador tem tomado proporções cada vez maiores. O EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization) e seus múltiplos, hoje são as principais ferramentas para mensurar o valor de empresas, de suas ações, da saúde da operação, da capacidade de honrar suas dívidas e até mesmo (equivocadamente) como métrica de fluxo de caixa.
Dada tamanha relevância do indicador para o mercado, é natural que empresas, principalmente as de capital aberto, recompensem seus executivos por uma gestão que priorize e otimize o valor do EBITDA. No entanto, há sempre um ponto de atenção nesta prática, pois, mais comumente do que se imagina, gestores acabam perdendo o controle ou até mesmo ferindo a operação em prol dessa métrica.
A contabilidade não é uma ciência exata e através de práticas contábeis agressivas é possível manobrar o valor do EBITDA de duas formas: antecipando/inflando o reconhecimento de receita e ativando os custos e despesas da companhia.
A antecipação da receita acontece, muitas vezes, pela adoção de regras de negócio convenientes para tal. Por exemplo, imagine uma concessionária, que ao vender um carro, reconheça no resultado daquele mês, toda a receita dessa venda, independente se o comprador irá pagar à vista, ou em um, dois ou cinco anos.
Já a ativação de custos e despesas é a prática de classificação deles como investimento em capital fixo, alocando assim esses gastos abaixo da linha do EBITDA na demonstração de resultados, o que faz com que o mesmo não tenha o efeito dessa dedução e, por consequência, apresente um valor maior.
Pelos pontos já colocados, com o crescimento do EBITDA, vem a resposta positiva do mercado. As ações sobem, analistas avaliam a companhia positivamente e investidores abrem possibilidades de crédito para alavancagem da empresa. Contudo, na outra ponta deste processo, está o acionista ou sócio da empresa que, em vista do otimismo do mercado, espera dividendos volumosos no final do período. Dividendos que não vêm quando a empresa reconheceu receita em adiantamento ou ativou gastos em demasia.
Com os questionamentos levantados nessa situação, para empresas listadas, não demora muito para que o mercado corrija o otimismo por pessimismo, trazendo abaixo o preço da ação. Para outras empresas, os questionamentos de sócios e cotistas podem trazer com eles burocracias e relatórios frequentes para entender a situação e a falta de dividendos. Burocracia que pode inclusive ferir a operação, despriorizando funções críticas do negócio para geração de números e relatórios.
A agência global de rating de crédito, Moody’s, publicou o clássico estudo sobre o EBITDA (Putting EBITDA in Perspective) em junho de 2000. Neste estudo, a agência pontuou as 10 falhas críticas do uso do EBITDA. Entre elas, o indicador ignora mudanças no capital de giro da empresa, como dívidas tomadas, reinvestimento de capital na operação, pagamento de juros e impostos, divergências entre regime caixa e competência e aumento do PMR, entre outras. As últimas colocações são principalmente importantes no Brasil, onde há o hábito de financiar o cliente, dividindo inclusive compras pequenas em até 12 vezes.
No limite, a manipulação do EBITDA pode até mesmo chegar à fraude, como no caso da WorldCom nos Estados Unidos, talvez o caso de maior repercussão do tema. Quando em 1999, a empresa percebeu a tendência negativa do seu EBITDA. Ela migrou 2,8 bilhões de dólares de suas reservas de capital para a linha de receita na demonstração de resultados. Em 2000, a WorldCom ativou 3,85 bilhões de dólares de despesas operacionais, em parte sem documentação, como despesas de capital. Essas ações transformaram as perdas da empresa em lucro de 1,38 bilhões de dólares em 2001. Outro caso mais recente foi a Toshiba, que entre 2008 e 2015 inflou seus resultados em 1,21 bilhão de dólares, contabilizando custos a menor, receitas improváveis e postergando a contabilização de perdas para contratos cancelados.
Em suma, a análise financeira de uma empresa é complexa e não deve se resumir a apenas um indicador, seja o EBITDA ou qualquer outro. O valor do EBITDA como indicador, desde que usado em conjunto com outros indicadores, é restrito a determinados tipos de empresas, como as de ativos de longa duração e/ou em determinadas situações, como no caso de negócios em risco de falência. Para a análise de qualquer empresa, os demonstrativos financeiros e seu mercado devem ser analisados com a profundidade e abrangência necessária para o entendimento e visão do todo do negócio.