Da disciplina do tênis à construção de estratégias de expansão e branding, Pedro Zannoni, CEO da Lacoste, revela os bastidores de sua jornada e os próximos passos da marca do CROCODILO na América Latina.
Poucas histórias conectam tão bem esporte, disciplina e liderança quanto a de Pedro Zannoni. Ex-tenista profissional, ele trocou as quadras por escritórios de grandes marcas globais, mas sem deixar para trás os aprendizados que o esporte lhe deu — e que hoje são parte essencial de sua forma de liderar.
Desde maio de 2020, Pedro é o CEO da Lacoste para a América Latina. À frente da operação de uma das marcas mais icônicas do mundo da moda, ele tem comandado uma transformação com foco em crescimento sustentável, experiência do consumidor e, principalmente, nas pessoas. Com mais de 20 anos de experiência no mercado esportivo e fashion, passou por gigantes como Wilson, Adidas, Puma, Reebok e ASICS antes de assumir o leme da Lacoste em um dos momentos mais desafiadores para o varejo global: a pandemia de COVID-19.
Pedro é reconhecido por seu estilo de liderança próximo, humano e colaborativo. Valoriza o diálogo, a diversidade e o desenvolvimento contínuo — características que vêm fazendo a diferença na construção de times de alta performance. E, como bom ex-atleta, leva o fair play, a resiliência e o foco em resultado para todas as decisões estratégicas.
Nesta conversa, ele compartilha um pouco dos bastidores de sua trajetória, os pilares da gestão na Lacoste, os desafios e oportunidades do mercado latino-americano e, claro, os ensinamentos que o esporte ainda traz para sua vida profissional. Prepare-se para uma entrevista inspiradora com alguém que entende, como poucos, que sucesso é jogo de equipe — dentro ou fora das quadras.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Você começou sua trajetória no tênis profissional. Que lições desse esporte você levou para o mundo corporativo e como impactaram no seu estilo de liderança?
PEDRO ZANNONI: Eu devo tudo ao tênis. Depois de jogar, dei aula de tênis e acabei seguindo carreira no mundo corporativo em empresas do setor esportivo — como a própria Lacoste, onde atuo agora. A marca tem uma ligação muito forte com o tênis, já que seu fundador foi um ex-jogador, e celebramos 90 anos em 2023.
Diversas competências adquiridas no esporte são aplicáveis ao mundo executivo. Mesmo quem nunca praticou esporte acaba, muitas vezes sem perceber, utilizando essas habilidades. Em minhas palestras, costumo apresentar um “mapa mental” em que coloco no centro essas competências que acredito serem fundamentais para qualquer executivo, e que trago da minha vivência no esporte.
Uma delas é o fair play, que no ambiente corporativo se traduz em práticas de compliance e transparência nas relações comerciais. A disciplina também é central — no esporte, precisamos seguir uma rotina de preparação, cuidar da saúde física e mental, manter um calendário de treinos e competições. Isso se aplica diretamente à rotina corporativa: reuniões, apresentações, metas, tudo exige preparo e foco.
Outro ponto é a capacidade de adaptação. No tênis, a cada ponto precisamos tomar decisões rápidas — as quadras mudam, a bola se comporta de forma diferente conforme a altitude, o clima, o adversário. No mundo dos negócios, é parecido: atuamos em um ambiente com inúmeras variáveis — concorrência, decisões políticas e econômicas, campanhas, performance de coleções, investimentos. A adaptação constante é essencial.
E, por fim, o trabalho em equipe. Embora o tênis pareça um esporte individual, ninguém chega ao topo sozinho. Existe um time por trás — técnico, fisioterapeuta, nutricionista, preparador físico. O mesmo vale para o mundo corporativo: sem um time forte, você não entrega resultados.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Você comentou que começou como tenista profissional e depois foi professor. Como foi essa transição para o mundo corporativo?
PEDRO ZANNONI: Essa transição foi muito difícil. Tive que abrir mão do sonho de ser jogador profissional por motivos familiares e financeiros. Meus pais se separaram, e precisei ajudar em casa — dar aula de tênis foi a única opção viável naquele momento. Foi doloroso abandonar o sonho, mas ao mesmo tempo essa experiência me trouxe grandes aprendizados, principalmente sobre resiliência.
Durante seis anos, fui professor e treinador, acompanhando alunos em seus processos de evolução. Essa vivência me ensinou muito sobre liderança, comunicação e desenvolvimento de talentos — tudo isso foi essencial quando comecei no mundo corporativo.
Em 2001, surgiu a oportunidade na Wilson, marca fortemente ligada ao tênis. Coincidentemente, era o mesmo ano em que eu me formava em Direito. Abracei a oportunidade, mesmo sem ter experiência em escritório, e fui buscar formação complementar com uma pós-graduação em marketing. Era necessário entender não só sobre produto e esporte, mas sobre negócios de maneira ampla.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Você liderou a Lacoste na América Latina durante o período crítico da pandemia. Quais foram as decisões mais desafiadoras e transformadoras nesse processo?
PEDRO ZANNONI: Em fevereiro de 2020, eu estava finalizando o processo de seleção para a Lacoste e combinamos meu início para 16 de março — justamente o dia em que o mundo parou. A situação era incerta, com decisões sendo revistas a cada duas semanas.
Comecei oficialmente em maio de 2020, num contexto completamente remoto, com lojas fechadas e sem poder conhecer o time ou visitar os pontos de venda. Isso tornou o processo de integração muito mais complexo.
Ao mesmo tempo, esse início me deu um tempo raro para conhecer melhor a história da marca, sua cultura, missão e valores — algo que nem sempre conseguimos fazer com profundidade em um onboarding tradicional. Essa experiência nos inspirou a reforçar, até hoje, a importância de um processo de integração mais humano e informativo para os novos colaboradores.
EMPRESÁRIO DIGITAL: A Lacoste tem um forte DNA esportivo e de lifestyle. Como equilibrar essa tradição com a necessidade constante de inovação?
PEDRO ZANNONI: A Lacoste foi pioneira desde o início, quando René Lacoste criou a primeira polo e colocou o logotipo do crocodilo no produto — um marco de inovação na época. A marca equilibra com maestria tradição e modernidade. Temos produtos icônicos que acompanham a Lacoste desde o começo, mas que são constantemente atualizados com novas tecnologias, tecidos e cortes. Ao mesmo tempo, a marca se renova para dialogar com o público jovem — com novas coleções, linhas esportivas, calçados e peças voltadas à performance.
Esse balanço entre herança e inovação é o que mantém a Lacoste viva e conectada após 90 anos de história.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Diversidade e inclusão são temas muito presentes na sua gestão. Que ações práticas foram implementadas nesse sentido?
PEDRO ZANNONI: Aqui na América Latina conseguimos desenvolver iniciativas que se tornaram referência para outras regiões. Desde 2020, implementamos programas voltados ao bem-estar físico e mental dos colaboradores, além de promover ações específicas de diversidade. Um dos programas que tenho muito orgulho de apoiar é o Drive our Crocodelles to the Top, voltado para o aumento da presença feminina em cargos de liderança.
A Lacoste já está à frente da média do mercado, mas seguimos empenhados em evoluir. Afinal, nosso consumidor é diverso — se a nossa equipe não refletir isso, estaremos desconectados da realidade.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Como você adapta a estratégia global da Lacoste às especificidades culturais e de consumo da América Latina?
PEDRO ZANNONI: Em uma multinacional, seguimos diretrizes e estratégias globais. Mas o sucesso de uma operação regional está justamente em saber adaptar essa visão às realidades locais.
Na América Latina, temos um consumidor específico — clima, comportamento, estilo de vida. Tropicalizamos campanhas, ajustamos o mix de produtos, respeitamos as particularidades culturais de cada país. Ao mesmo tempo, mantemos uma consistência global de marca, garantindo que o consumidor, esteja ele em Paris, São Paulo ou Nova York, reconheça imediatamente o DNA da Lacoste. Essa capacidade de equilibrar coerência global com relevância local é essencial para o crescimento sustentável da marca na região.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Você fala muito sobre o foco no cliente. Como esse princípio se traduz no dia a dia das operações da Lacoste?
PEDRO ZANNONI: O cliente é o nosso norte. Ele dita o que fazemos. Um exemplo claro disso está nas nossas lojas. Se você visitar diferentes unidades da Lacoste no Brasil ou em outros países da região, verá que a identidade visual é consistente — a fachada e a organização interna das categorias são facilmente reconhecíveis. No entanto, adaptamos o mix de produtos conforme o perfil do público local. Isso vale tanto para lojas próprias quanto para franquias e multimarcas.
A comunicação também é ajustada com base no comportamento do consumidor. Um exemplo disso é o perfil do Instagram “Lacoste Brasil”, o único fora da França. Criado em parceria com a matriz, ele nos permite entender melhor o que engaja nosso público local e ajustar nossas estratégias de forma mais assertiva.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Na sua visão, quais habilidades são indispensáveis para formar equipes de alta performance?
PEDRO ZANNONI: O primeiro passo é ter um alto nível de autoconsciência: saber quais são seus pontos fortes e fracos. Isso vem muito do esporte — você precisa conhecer seus limites, saber quando acelerar, quando mudar a estratégia. Na liderança é igual. Se você não tem essa clareza, acaba tomando decisões em áreas que não domina. Por isso, é essencial formar um time que complemente suas lacunas.
Isso é ainda mais importante em cargos de liderança, nos quais não se espera que você seja especialista em tudo, mas sim um desenvolvedor de talentos.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Olhando para o futuro, quais são os próximos passos para o fortalecimento da Lacoste na América Latina?
PEDRO ZANNONI: Nosso foco é seguir crescendo nos principais mercados da região, especialmente Brasil e Argentina. Também queremos expandir em países como Chile, Peru, Colômbia, América Central e Caribe. A marca já está presente nesses mercados, mas há espaço para ganhar escala e aumentar a visibilidade. Brasil e Argentina continuarão como prioridades, por serem os maiores mercados da América Latina.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Quais dicas você daria para quem está começando hoje no mundo corporativo e almeja uma carreira de sucesso?
PEDRO ZANNONI: Estudar é essencial, mas não falo apenas do ensino tradicional. Hoje há muitos cursos, podcasts e conteúdos online que ajudam no desenvolvimento profissional.
Também é importante ter paciência. No início da carreira, eu gostaria de ter tido mais tempo com pessoas que admirava — isso teria facilitado minha trajetória. Ainda assim, acredito que os desafios me formaram como profissional.
É preciso ter ambição, mas uma ambição saudável. Não vale atropelar os outros para crescer. Isso pode até funcionar no curto prazo, mas não se sustenta. Com disciplina, preparo, e cuidando do seu time e dos seus pares, o sucesso vem naturalmente.
EMPRESÁRIO DIGITAL: Qual sua visão para a Lacoste nos próximos anos sob sua liderança?
PEDRO ZANNONI: Queremos continuar desenvolvendo o Brasil, que é o principal mercado da região, por meio da expansão dos canais de distribuição, parceiros de multimarcas e franquias. Também estamos investindo no crescimento de categorias estratégicas, como calçados, esportes de performance e público feminino — segmentos que vêm crescendo significativamente. O mesmo vale para a Argentina.
Além disso, buscaremos fortalecer nossa presença nos demais países, consolidando uma Lacoste mais sólida e relevante em toda a América Latina.