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Por que os brasileiros hoje estão entre os executivos mais insatisfeitos do mundo?

Nossa pesquisa global com 4.500 executivos revelou que a América Latina é a região mais insatisfeita do mundo corporativo – e o Brasil está entre os países onde esse desconforto se manifesta com mais força. O estudo traz uma análise abrangente sobre remuneração executiva, com insights que vão além do salário. Vale conferir os números completos.

Mas o que mais me instiga vai além dos números – é a pergunta que eles escondem: por que, mesmo em empresas bem-estruturadas, com salários competitivos e benefícios generosos, a insatisfação persiste?

Talvez porque estamos tentando resolver o problema errado – e nunca aprendemos, de fato, a difícil arte de ser feliz no trabalho.

O filósofo Luc Ferry nos provoca uma reflexão poderosa sobre a assimetria entre felicidade e infelicidade. Ele argumenta que, enquanto conseguimos identificar com precisão cirúrgica aquilo que nos causa sofrimento – a perda de alguém querido, o fracasso num projeto importante, a rejeição social -, somos incapazes de definir com a mesma clareza o que nos faz genuinamente felizes de forma duradoura. É fácil identificar o que dá prazer – mas o que faz esse prazer durar? Aí a resposta some. Essa assimetria revela algo importante: talvez o problema não seja a busca pela felicidade em si, mas a confusão entre o que nos diverte e o que realmente nos sustenta.

E parte dessa confusão vem de como fomos educados. Durante séculos, aprendemos que a felicidade deveria ser adiada. As grandes religiões e sistemas morais construíram narrativas em torno da postergação do prazer: o cristianismo prometia a felicidade no paraíso; o confucionismo, após o cumprimento do dever; o capitalismo industrial, na aposentadoria.

Até os contos infantis reforçavam essa lógica. Nos Três Porquinhos, o trabalhador incansável – o “porco velho” – é quem vence o lobo no fim, enquanto os irmãos que brincam e cantam são punidos por sua leveza. A moral sempre foi clara: felicidade imediata é irresponsabilidade; a verdadeira recompensa vem para quem adia o prazer. E, por décadas, o mundo corporativo funcionou exatamente assim: trabalhe duro agora e seja feliz quando puder parar.

Parte das gerações mais recentes questiona esse pacto de forma mais explícita. Cresceram vendo pais esgotados que adiaram a felicidade para uma aposentadoria que nunca chegou – ou que, quando chegou, veio tarde demais. Não é que rejeitem o esforço; é que recusam a promessa vazia de que “um dia” tudo valerá a pena.

Mas aqui mora uma tensão importante, e ela não é exclusiva dos jovens: a confusão entre propósito e ausência de dificuldade. Muitos – de todas as gerações – acreditam que trabalho com sentido deveria ser fácil, fluido, livre de conflito. Mas propósito não elimina dificuldade; apenas ajuda a sustentar o peso dela. A diferença é sutil, mas crucial: não é sobre evitar o difícil, é sobre escolher qual dificuldade enfrentar por razões que fazem sentido para você.

Porque, no fim, a maturidade não está em evitar o difícil, mas em escolher qual difícil viver.

Casamento é difícil. Divórcio é difícil. Escolha qual dificuldade você prefere.

Obesidade é difícil. Ficar em forma é difícil. Escolha a sua dificuldade.

Ter dívidas é difícil. Ter disciplina financeira é difícil. Escolha o seu difícil.

A vida nunca será fácil – sempre será difícil. Mas podemos escolher qual dificuldade enfrentar. O mesmo vale para o trabalho: ficar é difícil, sair também é. A diferença está em qual versão de si você se torna em cada escolha.

Escolher, porém, exige tempo. E tempo é exatamente o que não queremos dar. Recusamos o pacto das gerações anteriores – aquele de adiar toda felicidade para a aposentadoria. Mas criamos nosso próprio problema: passamos a exigir satisfação constante, imediata. E descobrimos que isso também não funciona.

Não porque estamos buscando no momento errado – mas porque estamos buscando no lugar errado. A cada promoção, bônus ou conquista, experimentamos o pico da euforia e, logo em seguida, a ressaca silenciosa. É o que os psicólogos chamam de efeito honeymoon/hangover: a lua de mel com o novo cargo seguida pela volta à normalidade. A neurociência explica com o conceito de padrão adaptativo hedônico – nossa capacidade de nos acostumar rapidamente ao prazer. A promoção vira rotina. O aumento vira base. O reconhecimento perde brilho. E, de novo, sentimos falta de algo.

E talvez parte do problema esteja em depositar todas as nossas expectativas de realização no trabalho. Esperamos que a carreira nos complete, nos defina, nos realize em todas as dimensões. Mas isso é uma armadilha. Nenhum emprego, por mais significativo que seja, consegue preencher todos os espaços da nossa existência.

Executivos que cultivam hobbies, que dão aulas, que têm projetos paralelos, que investem em relações fora do ambiente corporativo, tendem a carregar menos peso nas costas. Não porque trabalham menos ou são menos comprometidos – mas porque não colocaram todos os ovos na mesma cesta existencial. Eles entenderam que a vida precisa de mais de um pilar.

Além disso, há outra distorção que alimenta a insatisfação: olhamos apenas para o que falta e esquecemos de valorizar o que temos. Vejo executivos trocando de empresa não para melhorar, mas por inquietação crônica. Às vezes, não é trocar seis por meia dúzia – é trocar seis por cinco. A ilusão de que a próxima oportunidade resolverá tudo nos cega para o que já está funcionando.

Do lado das empresas, a tentação é responder com mais benefícios, em uma corrida armamentista de bem-estar que raramente funciona. A resposta, porém, é mais difícil e mais barata: criar ambientes onde o trabalho faça sentido. Isso exige clareza brutal sobre a missão, autonomia real para executar e a construção deliberada de vínculos de confiança.

A insatisfação, afinal, não é defeito – é bússola. É ela que nos move, que nos faz questionar e crescer. Mas, quando viramos dependentes da novidade, confundimos evolução com fuga. E talvez o verdadeiro desafio da nossa época seja esse: não ser feliz o tempo todo, mas permanecer inteiro enquanto tudo muda.

Felicidade não é meta. É prática. E ela começa quando paramos de buscar um trabalho que nos complete e começamos a construir uma vida com múltiplos pilares – carreira, vínculos, propósitos que vão além do cargo.

Quando entendemos que a promoção vai virar rotina, mas escolhemos persegui-la mesmo assim por razões que fazem sentido.

Quando conseguimos distinguir entre a inquietação que nos move e a inquietação que nos corrói.

E quando, finalmente, fazemos as pazes com o fato de que escolher uma dificuldade não elimina o sofrimento – apenas o torna suportável.

Porque, no fim, não se trata de estar sempre satisfeito. Trata-se de saber por que você ficou – ou por que partiu. E estar em paz com essa escolha.

Ricardo Basaglia

CEO Michael Page Brasil

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