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Café em garrafa, comunidade em estado líquido

Eu esperando um café na fila de um patrocinador do evento quando no auditório ao lado escuto a história de um café em garrafa e, no fundo, ninguém ali estava falando de café. Estavam falando de algo bem mais raro… atenção genuína. Que me fez buscar o conteúdo com plena atenção.
No palco estavam três figuras que carregam mundos diferentes nas costas.
Christian Rôças, o Crocas, brasileiro, ex Porta dos Fundos, ex Instagram e Facebook LATAM, hoje founder e CEO da Flint… um arquiteto da economia dos criadores.
Ao lado dele, William Lenney, o WillNE, britânico, criador global, dono de humor ácido e timing cirúrgico que faz milhões rirem na internet.
E completando o trio, Ben Doyle, o diretor inglês da After Party Studios, o tal RVBBERDUCK que confunde meio mundo com o pseudônimo, mas entrega filmes que parecem superproduções. E o que me chama atenção não é o número das garrafas, é o que vem antes do lançamento… dezoito meses de construção de contexto.
Eles não começaram com um “compre agora”. Começaram com uma xícara de café na mesa, depois duas, depois uma corrida de 100 quilômetros para encontrar o amigo em uma cafeteria. A rotina virou piada interna. A piada virou código. O código virou marca. Até que um dia alguém posta só a foto de um copo com café gelado e os comentários explodem… “eu sei o que isso significa, eu também assisto esses caras”.
Esse é o ponto em que eu penso… nenhuma pesquisa de mercado entrega isso. Você não compra essa sintonia, você cultiva.
Quando passam o filme, a estética é de cinema, não de anúncio. A narrativa é absurda e divertida… um produto “perfeito” sequestrado, polícia, caminhão da Sainsbury’s, investigação que não leva a lugar nenhum. A trama é simples, mas extremamente esperta… em vez de mandar o público comprar, eles convocam o público para “ajudar a recuperar” o café. Não é call to action, é missão.
Depois vem o making of em forma de conversa. Ben explica como escreve pensando em Easter eggs, cenas que a audiência vai querer recortar, transformar em meme, reenquadrar em TikTok. Um personagem bonito de farda vira clipe viral separado do filme principal. Um detalhe de figurino vira ativo de mídia. Cada cena é planejada para ter vida própria fora do vídeo original.
E aí entra a primeira porrada conceitual… na cabeça deles, a pergunta não é “como eu encaixo o slogan da marca”. A pergunta é “como eu crio momentos que a comunidade quer carregar adiante”. A métrica não é só view, é vontade de recortar.
Em paralelo, ele descreve o outro lado da moeda… o mundo dos anúncios tradicionais, cheios de pesquisas de audiência, testes de slogan, guidelines rígidas, códigos de cor que engessam, roteiros mortos antes de nascer. Parece outro planeta. No digital, como eles dizem, cada segundo é julgado… chato ou interessante. Se o branding entra como peso, o dedo desliza e acabou.
O que me pega é uma frase quase jogada no meio… confiança é construída, não comprada. E dá trabalho. No caso de Rods, foram 18 meses fazendo o público ver café antes de ver marca. Quando a garrafa aparece, ninguém estranha. Não soa oportunista. Soa lógico, quase inevitável.
Eles citam Red Bull como exemplo de marca que entendeu o jogo… o canal do YouTube opera como criador, pensa entretenimento em primeiro lugar, produto em segundo. A pessoa clica porque confia no conteúdo, não porque quer consumir a bebida. E, no entanto, a bebida está lá, sempre, como pano de fundo. Você compra energia, mas o que te prende é a história.
Outra provocação forte é quando eles falam de quantidade… em vez de sete posts fracos por dia, façam uma peça realmente boa por mês, um vídeo que preste. Criadores não pensam em “campanha com 100 cortes”, pensam em “um vídeo absurdo que todo mundo vai lembrar”. O resto o público faz.
E aí vem a palavra que fecha o ciclo… comunidade. Não aquela comunidade de planilha, segmentada por idade, gênero e ticket médio. Comunidade de verdade, a que se sente parte de algo. Eles lembram que quem compra Rods na Sainsbury’s não está “apoiando a marca”, está apoiando o criador que acompanha há anos. Primeiro o coração, depois o bolso. A ordem é essa.
Tem uma parte da conversa em que eu quase balanço a cabeça em concordância automática… quando eles falam que marcas ainda tratam plataformas como se fossem TV. A lógica da interrupção. A marca entra, corta o fluxo, fala de si mesma, sai. No digital, isso é quase agressão. O público abre o YouTube para ser entretido, não para ser vendido. A marca que insiste em falar só de si perde o direito de ser ouvida.
O contraponto é simples… em vez de perguntar “o que essa plataforma pode me dar”, a marca deveria perguntar “que valor eu entrego para quem está aqui dentro”. Ensinar algo. Fazer rir. Gerar curiosidade. Contar uma história boa o suficiente para merecer estar na timeline.
Na reta final, vem outra ideia que eu guardo no bolso… marcas como novas “comissionadoras” de conteúdo. Há um buraco na produção de conteúdo para públicos mais jovens. Broadcasters tradicionais não dão conta. Criadores sozinhos não cobrem tudo. As marcas poderiam financiar game shows, séries, formatos originais, como o exemplo da Footasylum no Reino Unido, que faz programas inteiros em que ninguém está empurrando produto. As pessoas só estão vestindo as roupas da marca. Simples, orgânico, eficaz.
A síntese deles para 2026 é curiosa… se o público já espera que um criador faça um vídeo de YouTube, surpreenda com algo que parece um comercial, mas pensado para a geração certa. Se o público espera que uma marca faça um comercial, surpreenda com um conteúdo que parece coisa de criador. De um lado ou de outro, a regra é sair do script óbvio.
Saio da palestra com três linhas mentais anotadas, quase como mandamentos práticos para qualquer marca, inclusive as que eu ajudo no Brasil…
1. Não interrompa… participe.
2. Não empurre produto… crie contexto.
3. Não persiga números… cultive comunidade.

A história de Rods não é apenas um case de 100 mil garrafas vendidas em duas semanas. É um lembrete de que, no mercado de hoje, o café é detalhe. O verdadeiro produto é a relação líquida que você constrói com quem apertou o play.

Marco Marcelino

Informação valiosa, 
no tempo certo

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