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Salto Quântico, Cabeça Fria

O palco de desenvolvedores do WebSummit Lisboa parecia pequeno demais para o tamanho da conversa. Jan Goetz, o engenheiro de silício que virou maestro de qubits, sentava ao lado de Tom Henriksson, o investidor que um dia precisou pedir desculpas ao próprio conselho por apostar em hardware. Ironia fina, porque hoje a aposta virou trator em um jogo global de gigantes.
E aqui já começa a poesia do absurdo. Em 2018, quando IBM, Google e meia dúzia de visionários de laboratório já sacudiam o mundo com anúncios de supremacia quântica, a Europa resolveu entrar atrasada, comendo poeira, mas com aquela elegância teimosa de quem acredita que dá para virar o jogo no segundo tempo. E virou. A IQM não só construiu computadores quânticos, como abriu a única fábrica privada de chips quânticos do continente e empilhou um time de 300 pessoas com 55 nacionalidades. Não é startup, é ONU de jaleco.
O que mais impressiona não é o hardware, é o enredo. Começou com 12 milhões de dólares, depois veio uma romaria de rodadas duríssimas até alcançar mais de 600 milhões levantados… de europeus. Fundos escandinavos, family offices americanos e europeus, gente com paciência, bolso fundo e apetite para problemas difíceis. Tudo isso para uma empresa que, no início, não tinha nem computador funcionando, só qubits voando no laboratório e uma promessa quase bíblica de que aquilo um dia daria certo.
E deu. Hoje a IQM é líder global em computadores vendidos, espalhados pela Europa, Estados Unidos e Ásia. Eles constroem a máquina, montam o sistema, operam o data center e ainda abrem o software para o mundo testar, fuçar, errar e acertar junto. É bonito ver um setor onde o ego geralmente fala mais alto do que a ciência escolher o caminho do código aberto, como quem abre o caderno da prova para a turma toda.
Jan disse uma coisa que ficou martelando… “alguns problemas da humanidade são tão grandes que mesmo se usássemos todos os transistores existentes no universo, não daria para resolver”. É quase um tapa na cara dos nossos data centers lotados de servidores que roncam como locomotivas. Quantum entra nesse ponto, onde a força bruta morre e a inteligência nova nasce. Como simular moléculas, quebrar códigos, otimizar sistemas inteiros em minutos quando antes levaríamos milhões de anos. É uma ruptura gentil, silenciosa, de laboratório, mas com impacto de terremoto.
Tom pergunta quando virá a tal vantagem quântica, aquela virada concreta, palpável. Jan responde com calma de quem já viu muito ruído em câmera criogênica… três ou quatro anos. Primeiro na química, depois no mundo real. No início, só brinquedos, miniaturas, protótipos. Mas toda disrupção começa assim, como maquete na mesa.
E há outra verdade escondida ali. O gargalo não é o qubit, é o software. A cola entre a física e o algoritmo. Um terreno perfeito para talentos que queiram arriscar sem precisar vestir jaleco. Quantum não vai ser só para PhDs, e a IQM entendeu isso quando criou hackathons ao redor do mundo, entendendo que se a porta não abrir para programadores comuns, o salto quântico nunca será salto, será tropeço.
O painel termina como quem abre apenas a primeira página de um livro grosso, desses que você sabe que vai demorar décadas para fechar. Jan olha para a plateia, Tom ri com o microfone caindo da orelha, e fica um clima estranho, meio épico, meio cotidiano, como quem assiste ao nascimento de algo que ainda não tem nome, só potencial.
A moral fica clara… enquanto alguns brigam por mais servidores, mais máquinas, mais cabos, há gente desenhando o próximo andar da computação. Não é sobre tamanho, é sobre lógica. E, de vez em quando, a história avança assim… por uma exceção assinada no conselho de um fundo que só investia em software.
O resto é qubit. E ousadia.

Legenda: Na Developer Summit Stage do Web Summit 2025, Tom Henriksson, General Partner da Open Ocean Capital, e Jan Goetz, Co founder e CEO da IQM, dividiram o palco para falar do salto quântico que está redesenhando o futuro do compute. Foto de Paul Devlin, Web Summit via Sportsfile.

Marco Marcelino

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no tempo certo

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