Experiências cruzadas: a história de como linhas e círculos mudaram o mundo

Falar de inovação em uma era de negócios exponenciais como Facebook, Google, Microsoft, e outros gigantes de tecnologia, parece ser, necessariamente, obrigatório falar de startups, aplicativos, IOT, hardwares e etc. Existem, contudo, outros ótimos exemplos e, especialmente, maneiras de inovar.

Uma das minhas preferidas é por analogias com áreas diversas, as chamadas Experiências Cruzadas. Consiste em buscar uma prática ou experiência estranha à sua realidade (ou de seu negócio) e aplicar o que for cabível na sua seara. Foi exatamente isso que Harry Beck fez em 1931 ao criar algo que impacta mais de 170 milhões de pessoas todos os dias.

Em 1908, as oito ferrovias de Londres se uniram para criar a primeira rede interligada de trens subterrâneos (chamada de Underground Electric Railways Company of London, ou UERL), o que deu origem ao sistema de metrô — ou Underground, como eles chamam por lá — do mundo. Esse novo sistema precisava ser organizado em um mapa. O primeiro mapa feito foi desenhado como um mapa convencional, como se vê, era uma tremenda bagunça: levava em conta distâncias reais; mostrava rios, ruas, praças, parques e, apesar da organização por cores (comum até os dias atuais), era um mapa bastante confuso e ineficiente.

Não por acaso, pessoas ficavam perdidas, tinham dificuldade de usar os trens e de chegar aos seus destinos.

Eis que, em 1931, aparece Harry Beck, um engenheiro elétrico, ex-funcionário da UERL, demitido por corte de gastos alguns anos antes, que, diante de seu profundo interesse pelos trens, criara um novo mapa.

O desenho de Beck era bastante mais simples e levava em consideração algumas regras bastante claras: linhas retilíneas, horizontais, verticais ou diagonais em precisos 45º de inclinação; distâncias artificialmente idênticas entre as estações e conexões; color code, ou seja, identificação por cores; e uso de formas geométricas nos pontos de interesse, como estações. Seguindo essas quatro principais regras, Beck criou o que se tornaria o padrão global para todos os mapas de metrô do planeta.

Beck, todavia, não inventou essas regras. O inglês, como dito, era um engenheiro elétrico, e, assim, habituado ao trabalho com circuitos e placas, estes, obrigatoriamente, organizados e distribuídos exatamente da mesma forma que o mapa: formas geométricas, linhas retas, cores e simetria. Harry Beck se valeu de um modelo de organização que em nada se relacionava até então à cartografia para criar o padrão global de transporte de mais de 170 milhões de passageiros diários e mudar a vida de bilhões de pessoas durante a História.

“Se valer de uma experiência ou ideia distante de sua realidade pode gerar uma inovação que mude a realidade.”

O que ele percebeu no início do século passado é ainda mais importante para a era exponencial em que vivemos: focar na dor/problema essencial das pessoas é das tarefas mais importantes de qualquer empresa ou empreendedor.

Quem está andando debaixo da terra não quer saber se há um lago ou um rio, ou um prédio acima de suas cabeças, nem se a linha faz uma curva para direita e outra para esquerda, mas sim entender a direção que se toma, a ordem das estações e como elas se interligam. Nada mais! E Beck sabia disso. Quer intuitiva ou propositalmente, um engenheiro elétrico superou todos os cartógrafos profissionais.

Ao focar na dor essencial e se valer de sua experiência com circuitos e placas eletrônicas, Beck revolucionou a cartografia e o modo como pessoas se localizam todos os dias ao redor do mundo.

Para isso, recebeu 10 Libras Esterlinas (trazida a valor presente, algo como 650 Libras, ou, aproximadamente, R$ 3.500,00), e só na sua segunda tentativa, já que a primeira fora recusada pela UERL, sob a justificativa escrita de que “não estavam interessados em um mapa tão ‘revolucionário’”.

A insistência de Beck — e o derradeiro aceite da empresa — se mostrou muito acertada. Ainda sob olhares desconfiados dos executivos da administradora do Undergorund Londrino, foram impressos 750.000 mapas e distribuídos pelas estações da cidade como um experimento. Se esgotaram em um mês e exigiram a impressão de mais 100.000 cópias a toque de caixa.

Mesmo com pontuais mudanças nos mapas (ou diagramas) atuais, as regras e a visão de Beck estão presentes em todos os mapas de metrôs do mundo até hoje e são utilizados 3,3 bilhões de vezes por ano em Tóquio, 2,4 bilhões de vezes em Moscou, 1,7 bilhões de vezes em Nova Iorque e incontáveis outras vezes ao redor do planeta todos os dias.

Harry Beck mudou o mundo pra melhor com criatividade, inovação e uma cabeça aberta à experimentação.

Essa é uma das mais fantásticas histórias de foco em usabilidade (UX) e cross-innovation de todos os tempos.

Há três importantes lições para empreendedores, executivos e futuros empresários nessa narrativa:

1.Foque nas dores reais de seus usuários ou clientes. Só entendimento destas garantirá longevidade e sucesso aos seus negócios. Ignorá-las matará, ao menos no longo prazo, a sua empresa;

2.A solução, muitas vezes, não estará no seu campo de atuação ou disponível de maneira óbvia; há, contudo, enorme riqueza em experiências cruzadas;

3.Por fim, nem sempre há o aceite de grandes players na primeira (segunda, terceira, quarta…) tentativa. Isso não quer dizer que você está errado. Seja resiliente.

Outubro 2024

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