Por um futuro mais verde

Executivo conhecido pela presidência em empresas de energia, como a Eletrobras e a CPFL, Wilson Ferreira Júnior é um ativista da transição energética para fontes sustentáveis. Ele defende uma forte resposta de toda a sociedade para a situação dramática que temos hoje, de “emergência climática”. E acredita, de fato, num amanhã melhor para o planeta.

Um otimista quanto ao futuro do planeta. Assim se define Wilson Ferreira Júnior, figura proeminente no cenário energético brasileiro, cujo nome se destaca não apenas pelo seu papel na presidência da Eletrobras, mas também por seu engajamento ativo em questões associadas às mudanças climáticas. Ao longo de sua carreira, Ferreira Júnior tem demonstrado um compromisso contínuo com a promoção de políticas e práticas sustentáveis no setor energético, reconhecendo a urgência de mitigar os impactos ambientais que vêm da geração de energia com combustíveis fósseis. Sua liderança visionária tem sido fundamental na busca por soluções inovadoras e na adoção de estratégias voltadas para a transição para uma economia de baixo carbono.

Durante sua gestão na Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior implementou iniciativas significativas voltadas para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a promoção da energia limpa e renovável. Elas incluíram investimentos em fontes alternativas de energia, como a solar e a eólica, além do desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e sustentáveis na geração e transmissão de energia elétrica.

Nesta entrevista exclusiva à EMPRESÁRIO DIGITAL, esse executivo compartilha sua visão sobre os desafios e oportunidades associados ao enfrentamento do aquecimento global, dando boas notícias sobre o que tem sido feito e apontando caminhos para práticas ambientalmente responsáveis. Além disso, ele destaca a importância da colaboração entre governos, empresas, academia e sociedade civil para enfrentar esse desafio mundial, que coloca o futuro dos nossos filhos em risco.

EMPRESÁRIO DIGITAL Como começou seu envolvimento com as questões climáticas?

WILSON FERREIRA JÚNIOR Essa atenção especial vem do começo deste século, lá pelos anos 2005, 2006… quando os dados do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] começaram a ser divulgados. Na época, eu era presidente da CPFL e tinha uma relação com o Rogério Cerqueira Leite [engenheiro e físico], que era um dos membros que participavam dessas equipes. E nos interessamos muito em divulgar esses dados. Foi quando começamos a perceber a gravidade das mudanças climáticas, já sendo tratadas naquele momento como um aquecimento global.
E nós montamos, com o Rogério Cerqueira Leite, uma curadoria para tratar desse tema e compartilhar com a sociedade os primeiros achados, as primeiras conclusões desses painéis do IPCC por meio de um programa na TV Cultura. Essa foi a época também em que começamos a tratar o tema da sustentabilidade na companhia que nós dirigíamos, basicamente uma empresa de fontes limpas. E no Brasil você estava começando também a elaborar o ISE, o Índice de Sustentabilidade Empresarial.
À época, a CPFL tomou uma decisão de criar a CPFL Renováveis, exatamente para ter um alinhamento com a perspectiva da sustentabilidade. Então, o meu envolvimento vem dessa época. Ele tem a ver, sem dúvida nenhuma, com uma questão empresarial, profissional, mas também, e acho que desde esse primeiro momento, com uma questão pessoal. Eu tenho filhos novos, e acho que essa é uma preocupação quando você começa a ver o impacto climático para as futuras gerações.

EMPRESÁRIO DIGITAL Como tem sido sua atuação hoje nesse sentido?

WILSON FERREIRA JÚNIOR Por sorte, trabalhei muito tempo em empresas de energia. Na CPFL por 18 anos, fui da CESP por mais 18, e mais cinco anos na Eletrobras. Na sequência disso, eu fui ser presidente da BR Distribuidora, hoje Vibra Energia. E eu acho que o meu envolvimento maior nesse tema tem a ver com essa transição para a área de óleo e gás, porque o tema que vai ser mais importante para nós daqui para frente é o da descarbonização da economia. E ela só vai ocorrer à medida que você tenha uma substituição e/ou redução no consumo dos combustíveis fósseis. Quando eu fui para a Vibra Energia, a antiga BR, nós tivemos essa preocupação. A estratégia desenhada para a companhia foi criar exatamente uma plataforma, que a gente chama de multienergia, para viabilizar a transição energética dos nossos clientes. Vale lembrar que a Vibra Energia é um fornecedor de óleo combustível, de óleo diesel, gasolina e etanol não só para veículos, mas para a indústria especialmente. Então, nós tínhamos uma preocupação a respeito de quais outros combustíveis – idealmente biocombustíveis – poderão ser oferecidos para que as empresas possam fazer a sua transição energética e a sua descarbonização. Foi especialmente a partir desse momento que tive uma atuação muito intensa com essa questão.

EMPRESÁRIO DIGITAL Como você vê o Brasil nesse caminho da descarbonização?

WILSON FERREIRA JÚNIOR O Brasil detém a maior floresta tropical do mundo, que capturará a maior quantidade de carbono do planeta. Mas também tem muita área degradada que pode ser reflorestada. Começamos a identificar pontos onde poderíamos reflorestar e, com isso, produzir biocombustíveis. Por exemplo, no Brasil, há mais de 30 milhões de hectares de áreas degradadas certificadas, onde é importante fazer esse reflorestamento. E lá em Roraima estamos fazendo isso com uso de palma, para poder gerar, na sequência, o chamado diesel verde ou o combustível sustentável de aviação, o SAF. O Brasil tem esse potencial. E uma experiência muito boa com biocombustíveis. O Brasil é, aliás, o único país do mundo onde a gasolina tem cerca de 27% de etanol. Nós somos o segundo maior produtor de etanol do planeta [atrás apenas dos EUA]. E o nosso óleo diesel já tem hoje uma perspectiva de chegar a 15% de mistura [hoje é 10%], de diesel com biodiesel. É por isso que o transporte brasileiro, sob o ponto de vista das emissões por quilômetro rodado, é mais ecológico do que os de outros países, porque você tem a adição de biocombustíveis tanto para o transporte leve quanto para o transporte de carga.

EMPRESÁRIO DIGITAL Que balanço você faz das curadorias que criou com o Café Filosófico?

WILSON FERREIRA JÚNIOR O balanço é superpositivo. Porque conseguimos levar às pessoas informações que não eram de domínio público. Compartilhamos com a sociedade quais foram as primeiras conclusões desses painéis de clima do IPCC da ONU. Veja, eu gosto de lembrar que começamos a estudar o tema da mudança climática em 1972. Nós estamos falando aqui de 50 anos de estudo. E passamos a investigar o tema do aquecimento global em 1992, com a Eco 92. Então, aí são só 30 anos. Ter as primeiras conclusões e poder compartilhar isso com a sociedade brasileira, apenas dez anos depois, foi um grande feito. E o mais positivo disso são os avanços que tivemos desde então. E eu destaco sempre que um ponto fundamental no tema do enfrentamento das mudanças climáticas é a COP [Conferência das Partes] de Paris, em 2015, quando tivemos quase 170 países oferecendo compromissos de redução de emissões de gases poluentes.

EMPRESÁRIO DIGITAL Apesar dos acordos internacionais em prol das iniciativas para conter o aquecimento global, há um grande paradoxo, porque na hora de escolher entre uma atividade poluidora, que dê dinheiro, e uma opção verde, menos lucrativa, os países tendem a escolher aquela que é melhor para a sua economia. Como você vê essa questão?

WILSON FERREIRA JÚNIOR A motivação principal dos compromissos desses países está relacionada à consciência da sociedade. Eu acho que esse é o principal elemento que vai determinar a mudança do comportamento empresarial. Eu costumo falar que hoje os negócios são uma permissão da sociedade. É ela que permite que você tenha um negócio. E hoje ela já faz opções ligadas a essa consciência ambiental. Nos últimos dois anos, nós já tivemos aqui no mundo, não só no Brasil, eventos climáticos extremos, com calor extremo, frio elevado, enchentes, chuvas em excesso… Uma demonstração das consequências do aumento da temperatura, que já em 2023 atingiu 1,5 °C, o que era previsto que a gente chegasse só em 2050. Isso afeta a sociedade de uma forma dramática. Se a gente não fizer nada, no ritmo em que estamos, nós vamos chegar a quase 4 °C em 2050. Então nossa preocupação, que já foi de mudança climática para aquecimento global, agora está em “emergência climática”, em que só temos a possibilidade de nos adaptar a esse aumento de temperatura. A COP que vai acontecer aqui no Pará, já no ano que vem, será muito importante, porque será a primeira vez em que vamos fazer uma medição do resultado dos compromissos assumidos pelos países. Haverá essa medição em 2025, e uma segunda em 2030, para nos direcionar a um caminho em que não passemos de 1,5 ºC de aquecimento global em 2050. Hoje você vê os jovens já sem tanto interesse de ter um carro próprio, muitos dando preferência ao compartilhamento do veículo. É o tipo de mentalidade que é uma resposta à emergência climática e que vai influenciar o comportamento dos governos e das empresas.

EMPRESÁRIO DIGITAL Como você analisa a questão do desmatamento ilegal no Brasil?

WILSON FERREIRA JÚNIOR É o nosso maior desafio na descarbonização.Temos muita área degradada que precisa ser reflorestada. Na última COP, o Brasil se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal até 2030. Para se ter uma ideia, no nosso país 70% das emissões são ligadas à agricultura, sendo que, desses 70%, 77% vem do desmatamento ilegal. Se o Brasil reduzir de forma significativa ou eliminar o desmatamento ilegal, metade das emissões brasileiras acaba. Isso seria uma contribuição extraordinária para as metas do Brasil e para o mundo.

EMPRESÁRIO DIGITAL Quanto a esse compromisso do Brasil e de outros países, você não vê uma certa fragilidade nisso? Porque, dependendo do governo da vez, ele tem um maior ou menor compromisso. Como é o caso do Trump, nos Estados Unidos, que é um negacionista das mudanças climáticas.

WILSON FERREIRA JÚNIOR A COP de de Paris revelou o comprometimento de 170 países com a questão climática. Isso reflete que os representantes desses países nessas conferências ouvem a opinião pública, a voz de uma sociedade que está vivendo as consequências de não termos tomado uma atitude antes, ou termos feito menos do que podíamos. E o que a gente vê, desde então, é um aumento dos compromissos em relação a esse tema. É natural que alguns possam, por questão política, diminuir o engajamento, não ser tão rápido na efetivação desse compromisso, mas a pressão da sociedade em cima dos governantes é cada vez maior, porque ela tem sofrido com as consequências. Os eventos climáticos extremos vão aumentar em volume, todo ano, em função do aumento de temperatura. Não tem jeito, isso aqui já é comprovado. Quando você pega a correlação entre emissão de gás de efeito estufa e o aumento da temperatura do globo desde a pós-Revolução Industrial, ela é de quase 100%. É incrível. Então precisamos enfrentar esse problema não apenas delegando aos governos. A academia também precisa gerar alternativas. E as empresas também. Quem emite esses gases, em grande medida, é a atividade econômica. Empresas que produzem produtos ou serviços com carvão, com óleo combustível, com óleo diesel. E essa transição já está ocorrendo. No caso brasileiro, 80% da frota de carros é flex. E 27% da gasolina tem etanol. Então não acredito que a gente ficará refém de um líder político negacionista por muito tempo porque as consequências serão sentidas por toda a sociedade.

EMPRESÁRIO DIGITAL Estamos próximos de um ponto de não retorno, quando as iniciativas, por melhores que sejam, não serão mais capazes de salvar o planeta das consequências das mudanças climáticas?

WILSON FERREIRA JÚNIOR Não podemos imaginar um ponto de não retorno. Até porque há muito o que fazer. Estamos realmente vivendo um avanço muito grande da temperatura, mas, por outro lado, com possibilidades enormes de fazer a mitigação desse aumento futuro. É o que mostram os compromissos de redução de emissões. No caso brasileiro, 53% de redução de emissão até 2030. É bastante coisa. Além disso, a tecnologia está avançando. O preço das alternativas está diminuindo. E é importante falar sobre os incentivos para a descarbonização. É o chamado mercado de crédito de carbono, que está se fortalecendo agora. O próprio Brasil está neste momento trabalhando na legislação a respeito desse tema. E isso vai acabar estabelecendo uma competitividade maior para os produtos descarbonizados. A Floresta Amazônica é a maior responsável pela captura de carbono no planeta hoje. E ela tem de ser recompensada. A monetização desse serviço ambiental de captura de carbono vai trazer recursos inclusive para os países, não apenas para as empresas. Eu acredito muito fortemente que a gente se afasta do ponto de não retorno quanto mais tecnologia viável nós temos e quanto mais instrumentos de troca entre os países, como na questão do crédito de carbono.

EMPRESÁRIO DIGITAL Quais são os maiores desafios para a descarbonização no mundo neste momento?

WILSON FERREIRA JÚNIOR Um desafio importante é o financeiro. Essa transição energética foi estimada pela ONU que, até 2030, vai custar 90 trilhões de dólares. Então é um desafio tremendo, mas a tomada de ação é irreversível diante do que estamos vivendo. Eu acredito que isso vai ser viabilizado. Se você olhar o capital disponível hoje no mundo, se você olhar os produtos que vão ter a preferência dos consumidores, eu não tenho dúvida de que esse recurso vai ser viabilizado. Um segundo desafio é a questão tecnológica. E um bom exemplo é a alternativa do hidrogênio verde. Ele é feito a partir da eletrólise de água, separando o H2 do oxigênio, e esse hidrogênio será o combustível que vai permitir mudanças nas atividades de siderurgia, fertilizantes, produtos químicos, refino de óleo e gás, entre outros. Então, esse é um processo novo e muito promissor. Mas que ainda não tem competitividade para substituir os combustíveis fósseis. Como negócio, já está tecnicamente viabilizado, mas não financeiramente. Então aqui precisa de um avanço na tecnologia que o torne mais barato. Como em tudo que melhora o mundo, precisa da inovação. E eu sou otimista, acredito que em algum momento ela virá. Tenho uma filha pequena, e preciso acreditar que ela viverá num mundo melhor do que este que estamos tentando salvar.

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Outubro 2024

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