Mr. Comércio Digital

As vendas por meio digital não devem ser uma operação que corre em paralelo ao seu negócio porque elas são o seu negócio! A definição é de um dos gigantes do comércio eletrônico no Brasil, Rafael Forte, presidente da Vtex. Em entrevista exclusiva, ele explica por que o e-commerce precisa fazer parte da estratégia unificada das companhias – mas que nada vai dar certo se não houver uma preparação à altura das ambições de cada empresa.

A disparada do varejo para as plataformas digitais por conta da pandemia alavancou de forma extraordinária os resultados da Vtex, fornecedora de sistemas para e-commerce. Para se ter uma ideia, a empresa triplicou seu quadro de funcionários ao longo dos últimos dois anos e, em plena crise do coronavírus, tornou-se um case de mercado: um novo unicórnio brasileiro, que bateu na casa do 1,7 bilhão de dólares em 2020 – e agora já incorporou mais um bilhão a esse valor.

Cofundador e presidente da Vtex no Brasil, Rafael Forte é uma referência incontornável quando se trata de conhecimento na área do comércio eletrônico. Trabalhando na área há mais de 20 anos, ela conhece os caminhos que levam ao desenvolvimento de negócios robustos e as armadilhas desse jogo. E acredita que o país ainda tem muito o que crescer nesse tipo de varejo – seja em práticas de mercado, seja em uma cultura voltada para o e-commerce, que o veja com a grandeza que ele precisa ter nesse momento de expansão.

Confira um pouco da visão do negócio de e-commerce desse executivo nesta entrevista exclusiva para a nossa reportagem.

EMPRESÁRIO DIGITAL Muita gente acha que, para vender bem pela internet, basta ter um e-commerce. O que é preciso mudar em termos de cultura nas empresas?

RAFA FORTE O e-commerce, antes de tudo, é varejo. Da mesma maneira que qualquer empreendedor investe no seu negócio e precisa preparar os alicerces, ter um planejamento, ter uma estratégia, assim deve ser no e-commerce. Hoje em dia não tem mais espaço para você ser um desbravador no comércio digital. O importante é estar preparado. Inclusive tem muita empresa que me liga e eu sugiro não abrir, por falta dessa preparação. E “não estar preparado” às vezes significa o total desconhecimento do que é o e-commerce. Afinal de contas, é diferente você ter uma loja física, onde tudo mundo entra, pega na prateleira e passa no caixa, e você ter um e-commerce, no qual a pessoa realiza uma compra por um meio digital e você tem de fazer a separação do produto e despachar para a casa do cliente. Uma coisa é ficar esperando numa loja física o cliente entrar para você atender. Outra coisa é ir atrás desse público, atraí-lo para a sua loja. Então, primeiro tem de entender como é a dinâmica do e-commerce, porque os fundamentos são parecidos, mas a operação é bem diferente.

Uma segunda questão é cultural: entender que isso é um business que exige o mesmo respeito, atenção, esforço e dedicação de qualquer outro negócio. Quando você fala de grandes redes, muitas vezes elas encaram o e-commerce como um negócio paralelo, porque o grosso do faturamento vem das outras fontes de receita. Quando o e-commerce nasce, ele ainda representa, logicamente, 0% do faturamento. Só que hoje ele não pode mais ser visto como um side business. É algo que faz parte de um planejamento unificado da companhia. É a extensão da loja física, a extensão do seu estoque, a extensão da experiência do seu cliente. E isso tem que ser pensado de forma integral.

EMPRESÁRIO DIGITAL E é indispensável hoje, correto?

RAFA FORTE É indispensável justamente porque não é diferente do seu negócio. Ele é o seu negócio. Não deve mais existir diferença entre o eletrônico e o analógico, o físico e o digital. Então, se você não está fazendo a parte digital, está perdendo venda. Pensa quanto tempo um vendedor de loja física pode ficar ocioso dentro do seu expediente, em momentos com poucos clientes… Nessas horas, poderia estar engajando um cliente por meio de uma rede social, estar fazendo picking de um produto que foi comprado no e-commerce e retirado na loja, estar fazendo entrega desse produto… Muitas empresas ainda não entenderam o quanto esse jogo é realmente para ser jogado e ganho.

EMPRESÁRIO DIGITAL E que precisa dessa preparação que você mencionou…

RAFA FORTE Precisa! Precisa de gente experiente, coisa que está em falta no mercado. Ninguém fez faculdade de e-commerce. Não existe um órgão oficial que te ensine. Quem tem experiência obteve na prática, de ter trabalhado efetivamente num player, de ter batido a cabeça para aprender e aprimorar os processos. Então a gente está justamente nesse período de ter um mercado muito grande para crescer. A penetração de e-commerce no Brasil ainda é pequena. Deve estar em torno de 6% ou 7%. Só que para crescer a gente precisa cada vez mais de gente experiente, com visão desse negócio, que tenha coragem de tentar, de ser bom, de experimentar, de ousar, de influenciar o seu consumidor. É muito além de montar um site que vende. O e-commerce acontece dentro da loja física! Acontece dentro do marketplace, dentro de televendas, dentro do representante porta a porta, de um aplicativo de mensagens, de uma rede social. Ele acontece em qualquer lugar. Então precisa, sim, estar preparado e ter uma revisita na cultura da companhia para saber lidar com a dinâmica desse novo mundo, que não é tão novo assim.

EMPRESÁRIO DIGITAL Como o CEO de uma empresa deve pensar o investimento de uma empresa para ter resultados? Que porcentagens deveriam ficar em tecnologia, campanhas etc.?

RAFA FORTE Olha, em uma operação já madura de digital commerce, o custo em tecnologia deveria ser menos que 1%. O de logística não deveria ultrapassar os seus 4%, 5%… incluindo a reversa. O marketing está cada vez mais caro, então hoje é muito importante aprender a fidelizar e a criar recorrência em cima da base que você já tem, porque a aquisição de cliente é cada vez mais cara. E aí, quando você trabalha em canais como o marketplace, considera-o como se fosse um canal de mídia. A gente tem marketplace que cobra de 8% a 20%, o que eu acho caro. Acabam existindo custos no e-commerce que não existem no mundo físico. Tem de saber efetivamente ponderar isso. O investimento em logística, por exemplo, deveria ser de 4% ou 5%. Marketing vai estourando até 10%. E deixando margens muito similares às do mundo físico. O que vai proporcionar é mais escala.

EMPRESÁRIO DIGITAL Pela sua experiência, que setores do mercado mais procuram o e-commerce?

RAFA FORTE Hoje, quando a gente fala de varejo, todo varejista tem a sua operação online. O que cresceu muito nos últimos dois, três anos, foi fashion, farmácia e supermercado. A área de serviços também está começando a entrar muito forte. Pet também cresceu muito. Muita gente adquiriu pet durante a pandemia, e bichinho também precisa comer, precisa de remédio, de brincar… E construção cresceu bastante. Muita gente com dinheiro para viajar decidiu investir esse capital na reforma da casa, já que ficou em confinamento.

EMPRESÁRIO DIGITAL Você acha que o blockchain e as criptomoedas vão convergir ou já estão convergindo com o e-commerce?

RAFA FORTE Olha, já existem alguns sites que aceitam criptomoedas como pagamento. O blockchain vem para criar uma relação maior de segurança. Hoje a gente ainda tem muitas tentativas de fraude do online, de teste do cartão de crédito. E ainda assim alguma coisa acaba passando, o varejo acaba tomando o prejuízo. Eu acho que a criptomoeda vai, com o tempo, se tornar algo mais líquido, que seja usado com maior simplicidade. Assim como o blockchain também vai se tornar algo não só para o e-commerce, mas para muita coisa, para regular muitas relações durante o nosso dia a dia, para simplificar as autenticações e as seguranças de vários processos, não só no digital.

EMPRESÁRIO DIGITAL Quanto as redes sociais ajudam e atrapalham o e-commerce levando em consideração as mudanças dos algoritmos e os desafios de você ter que aparecer com o produto certo para a pessoa certa?

RAFA FORTE Antes mesmo de falar de algoritmo, é importante dizer que as redes sociais servem tanto para o bem quanto para o mal, de acordo com a qualidade do serviço que você oferece. Se estiver fazendo um bom trabalho, se as pessoas gostarem da sua marca, obviamente a rede social ajuda a te alavancar. Mas, do contrário, ela também ajuda a te destruir. Esse é um primeiro ponto. O segundo ponto, aí quando a gente fala dos algoritmos, é o que você comentou: você está investindo um dinheiro para que essa rede social traga o consumidor correto para o seu produto, então eles precisam ter dados. Caso contrário, não tem informação de quem é o seu cliente ideal, qual é o perfil de consumo dele, e se esse perfil de consumo tem algum match com o produto que está sendo ofertado. Ele vai trazer de tudo um pouco e você vai errar, e vai ser muito ruim. Então você precisa do quê? Começar a tunar. Esse tunar é você dar a informação correta. De região, de público-alvo, de tipo de produto que você vai testar. E aí, do outro lado, o algoritmo vai começar a captar dados sobre essa audiência e será possível entender o que ele está convertendo ou não. Não existe algoritmo mágico. É matemática! E precisa de variável.

EMPRESÁRIO DIGITAL Parece que muitas vezes é uma questão de faltar a inteligência de dados, não

RAFA FORTE Sim, só que de verdade demora para você ter uma maturidade de dados a ponto de eles serem utilizados com inteligência. Isso é um aprendizado. No começo, você acumular dados, mas não sabe o que fazer com eles. Como é que você transforma aquele dado em informação útil, que vai te gerar negócio? Você pode dar os dados para os algoritmos, cruzar as respostas para ter informações, e então montar cenários e entender tendências. Ou, em vez de dar dados para os algoritmos, você pode dar as tendências, que já é um aglomerado dos seus dados. Mas essa maturidade, as empresas ainda estão ganhando. Sobretudo as empresas brasileiras ainda estão engatinhando. No momento atual, além de aprender a usar o dado, tem que aprender a lidar com ele. Porque estamos num período de regulação de que tipo de dado você pode captar, que tipo pode usar, de que forma pode usar… Lembrando que o dado é do consumidor, não seu. Então, esse consumidor pode ter o direito de ser esquecido, se for a preferência dele. Eu costumo simplificar muito a LGPD como o direito de ser esquecido. “Olha, eu quero apertar um botão e que você apague tudo o que você sabe sobre mim.”

EMPRESÁRIO DIGITAL Quais foram os processos e a mentalidade que levaram a Vtex a valer 1,7 bilhão de dólares em meio à pandemia?

RAFA FORTE Embora a gente tenha atingido esse valor no meio de uma pandemia, é preciso lembrar que fundamos a empresa há 20 anos. E a gente vem construindo de forma consistente a visão de que o digital commerce é o grande unificador e facilitador da relação transacional. O que aconteceu é que a pandemia acelerou um caminho natural que a gente já vinha tendo, uma visão de futuro na qual as relações comerciais seriam impulsionadas pela tecnologia, independentemente do canal. Justamente o que a VTex se propõe a resolver. Ela vai acelerada porque muitas empresas anteciparam os seus planos de longo prazo para curto prazo, fazendo a gente ter esse boom. O mercado percebeu o nosso propósito e o valor daquilo que a gente estava entregando. Um dos resultados é o valor financeiro da companhia. E hoje, um ano depois, já estamos com um valor em torno de uns 2,7 bilhões.

EMPRESÁRIO DIGITAL O que a experiência de estar na bolsa de valores de Nova York trouxe ou agregou? Como tem sido?

RAFA FORTE Abrir capital na bolsa é adicionar credibilidade à companhia. O mercado sabe que para estar em bolsa precisa ser uma empresa que é auditada, que tem compliance, que é séria. Então isso é o principal para a gente depois da abertura de capital. Porque isso corroborou a seriedade da nossa empresa para com o mercado. Em termos de operação, nada mudou. A gente se manteve consistente naquilo que vinha fazendo, se manteve fiel à nossa visão de futuro sobre a evolução do digital commerce. Continuamos criando nossos produtos, crescendo em clientes do Brasil e do exterior. Entregando o valor daquela solução que a gente se propõe a resolver. Então basicamente a principal mudança após um IPO é reafirmar a seriedade da nossa companhia. Empresa pública tem outra visibilidade no mercado.

EMPRESÁRIO DIGITAL Qual a importância para o varejista de se conectar a marketplaces?

RAFA FORTE Um marketplace é um canal a mais. Eu acho que hoje a gente fala muito de collaborative commerces. O collaborative commerce é você colaborar e contar com a colaboração de todos os players que estão no seu mercado. O marketplace é um cara que tem uma base de clientes muito grande que pode ser útil para você. Então você conta com a colaboração dele para atrair clientes e você coloca lá os seus produtos para vender. É mais um canal. Eu considero superimportante. Assim como todos os outros terem a sua loja própria, ter o seu próprio B2C, ter a sua força de vendas, seus vendedores de loja física trabalhando via conversational commerce, você ter representantes de porta a porta, você ter o B2B, você ter um PDV de loja física, uma prateleira infinita.

EMPRESÁRIO DIGITAL Todos deveriam estar em marketplaces?

RAFA FORTE Eu recomendo que todo mundo esteja. Só que, obviamente, existem estratégias. Empresas mais maduras, que já aprenderam a trabalhar com essa relação, fazem ali um balanceamento saudável de produto que tem de estar lá na quantidade certa, com o preço certo. E ao mesmo tempo ele está vendendo em outros canais, além de vender na sua própria loja. Essa empresa sabe qual é o tipo de produto que o consumidor vai comprar na loja dela, mas também sabe o tipo de produto que o consumidor vai comprar no marketplace. Existe aí um estudo por trás de como montar a sua estratégia. E isso é diferente para cada um. A sua estratégia pode ser completamente diferente da estratégia de Magalu, pode ser completamente diferente da estratégia de Via Varejo ou de Mercado Livre.

EMPRESÁRIO DIGITAL Eu queria que você falasse um pouquinho da sua experiência de como está sendo liderar uma empresa na pandemia e como ela refletiu nas dinâmicas do seu dia a dia?

RAFA FORTE A dinâmica mudou muito por causa da distância. Mas a Vtex, da noite para o dia, conseguiu se adequar muito fácil nessa questão do relacionamento à distância. A grande dificuldade foi o crescimento que a gente teve. Saímos de 500 ou 600 pessoas antes da pandemia para 1.800. Então contratar, apresentar, fazer o onboarding dessas pessoas, alinhar missão… isso foi um pouco mais complicado. Mas, a partir do momento em que isso está feito, entramos num voo de cruzeiro. Por outro lado, começamos a lidar com coisas que não tínhamos antes: questões de saúde mental, estafa…

Em alguns setores, queda de produtividade. No começo da pandemia, eu fazia 10, 12 reuniões por dia, e aí eu falei: “e agora, que hora eu trabalho?”. Porque não adianta só fazer reunião, precisa entregar. E eu acredito que muitas pessoas passaram pela mesma coisa aqui na Vtex. Tiveram a mesma sensação. Então a gente se adaptou, conseguiu criar as rotinas, tanto de reunião quanto de produção, quanto de entregas, de mensuração de performance… Às vezes falta o contato humano. Hoje a gente já vem voltando para o modelo híbrido, as pessoas têm escolhido fazer uma escala 2×3. Às vezes dois dias no escritório e três em casa. Às vezes dois em casa e três no escritório. E tem funcionado bem.

Mais em

Outubro 2024

Publicidade

Newsletter

Ao se cadastrar você declara concordar com nossa Política de Privacidade.